29 March 2007

LAVORES FEMININOS


Quando o presidente Bill Clinton, interrogado pela Comissão de Inquérito, alegou que a natureza do convívio que tinha mantido com Monica Lewinsky não deveria ser enquadrada naquilo que habitualmente se considera como "relação sexual", terá havido quem pensasse que ele se estaria a referir a um ponto de vista muito particular do seu Arkansas de origem. Mas a verdade é que, se os seus conselheiros e advogados tivessem feito os trabalhos de casa com maior empenho e se tivessem dedicado a investigar profundamente a história da sexologia ocidental, poderiam tê-lo defendido de forma bastante mais convincente. Essa é, pelo menos, uma das conclusões que se pode retirar de The Technology Of Orgasm - Hysteria, The Vibrator And Women's Sexual Satisfaction (ed. The Johns Hopkins University Press/Baltimore & London), o livro que a académica norte-americana Rachel P. Maines publicou este ano e que (como o subtítulo indica) constitui uma exploração pioneira das formas ancestrais de tratamento da histeria e da relação entre isso e o aparecimento do electrodoméstico conhecido pelo nome de "vibrador".


Na realidade, Rachel P. Maines, no início, nem sonhava onde iria chegar. Concluida a licenciatura, em 1971, em culturas clássicas — com especialização em ciências e tecnologias antigas —, a sua veia feminista conduziu-a a um interesse pelas artes texteis femininas de que nunca ninguém, até aí, se ocupara a sério. Mas o que acabou por lhe chamar a atenção ao folhear as respeitáveis revistas americanas femininas do final do século passado e início deste — "Modern Priscilla", "Modern Women", "Home Needlework Journal" ou "Woman's Own Companion" — foram os inesperados anúncios publicitários de vibradores, bastante semelhantes aos que hoje, em publicações razoavelmente mais privadas, são oferecidos às senhoras como adereços masturbatórios.


Na altura, eram apresentados como "auxiliares de descontracção benéficos para a saúde" capazes de "fazer regressar o brilho aos olhos e a cor às faces mais pálidas" que podiam ser accionados electricamente, por meio de pedais ou de água. Como seria de prever, Rachel Maines desistiu rapidamente da sua investigação em torno dos "lavores femininos" e dedicou-se por inteiro a esse surpreendente tema que a levaria a descobrir muito mais do que, então, suspeitava. Nomeadamente que, desde a mais remota antiguidade, o tratamento cientificamente aprovado da "histeria" consistia em, por meio de massagens e outros tipos de manipulações, conduzir as mulheres ao "paroxismo histérico". Isto é, aquilo que muito simplesmente hoje todos conhecemos pelo nome de "orgasmo".


Era neste ponto que os conselheiros de Bill Clinton deveriam ter reparado: uma vez que (na perspectiva feminista de Rachel Maines), o ponto de vista masculino, "androcêntrico", só reconhece como "relação sexual" aquela em que existe penetração, desde a Grécia antiga ao puritano século XIX, nunca ninguém colocou qualquer objecção moral ao facto de médicos ou parteiras se entregarem a esse tipo de "massagens terapêuticas". A lista de argumentos e referências históricas é quase interminável. Se, já em 2000 a.C., no Egipto e, posteriormente, Hipócrates, Platão, Celsus, Soranus, Aretaeus Cappodox e Caelius Aurelianus descreviam explicitamente o quadro de sintomas da histeria e o seu "tratamento", seria, porém, Galeno (129-200 d.C.)— durante séculos "o médico dos médicos" — a estabelecer que "após o calor proporcionado pelos medicamentos e pelo toque dos orgãos genitais que o tratamento requer, seguir-se-ão contracções acompanhadas ao mesmo tempo por sensações de dor e prazer, depois das quais a mulher produzirá abundante esperma. Daí em diante, ela ficará livre do mal que a afligia". Avicena (980-1037), pelo seu lado, era ainda mais claro: "A cura apenas será eficaz se as sensações do coito forem experimentadas".



As pacientes mais atreitas à histeria eram, previsivelmente, as viúvas, as virgens mais fisicamente "vigorosas", as mulheres casadas sexualmente insatisfeitas e... as freiras. Para todas elas, "afectadas pela sufocação do útero através da retenção do esperma devido à ausência do companheiro masculino", já no século XV, Giovanni Matteo Ferrari da Gradi recomendava que "as parteiras sejam instruidas a untar os dedos com óleos aromáticos que deverão aplicar em movimentos circulares no interior da vulva", exactamente o mesmo tratamento defendido cem anos mais tarde por Lazare Rivière para a "Fúria Uterina, uma espécie de loucura com origem num veemente e descontrolado desejo de Abraço Carnal que perturba as Faculdades Racionais ao ponto de a paciente articular um discurso obsceno e lascivo" ou pelo médico judeu português Abraão Zacuto preocupado com os achaques das "fêmeas mais lúbricas e inclinadas para as paixões venéreas que não podem ser aliviadas senão pelos seus pais a quem se aconselha que lhes descubram um marido vigoroso". Um casamento bem consumado era, evidentemente, a melhor terapêutica mas, na impossibilidade de isso acontecer, embora "os médicos tementes a Deus" pudessem manifestar alguma relutância na execução do tratamento, deveriam considerá-lo aceitável no caso de mulheres em risco de vida por causa da histeria que, segundo Thomas Sydenham (1624-89), era responsável por "um sexto de todas as doenças humanas".



Os tratados médicos — com títulos tão saborosos como De Passione Hysterica Et Affectione Hypocondriaca, Onania, Traité Des Affections Vaporeuses Du Sexe ou Porneiopathology — dedicados ao que alguns também designavam como "histeria libidinosa" multiplicaram-se e, nos séculos XVII e XIX, com o aparecimento das técnicas de "magnetismo" e "hipnose" inventadas por Mesmer (1733-1815), a terapêutica assumiu outros contornos ligeiramente diferentes que, em 1841, Charles MacKay descrevia, um tanto intrigado: "As mulheres sentavam-se, em círculo, à volta de um recipiente de água magnetizada, de mãos dadas e com os joelhos que se tocavam. Os assistentes de magnetização, geralmente rapazes jovens, fortes e bonitos, abraçavam as pacientes pelos joelhos e massajavam-lhes os seios e o tronco enquanto as encaravam, olhos nos olhos. Algumas notas dispersas de harmónica ou de piano ou a voz melodiosa de uma cantora de ópera oculta eram os únicos sons presentes para além da respiração ofegante das magnetizadas. As mulheres começavam visivelmente a enrubescer até que, uma após outra, se lançavam em ataques convulsivos. Umas soluçavam e puxavam os cabelos, outras riam até as lágrimas lhes correrem pela cara, outras ainda gritavam, guinchavam e uivavam até perderem a consciência. Depois da crise, o próprio Mesmer entrava e acariciava-lhes o rosto, a espinha, os seios e o abdomen até que elas voltavam a si".



Tratava-se de "ciência", de "medicina", "tecnicamente" não havia coito (olá Bill Clinton), portanto, por mais duvidoso que parecesse, era socialmente aceite. Mas, apesar do que se poderia imaginar, os médicos não demonstravam um especial interesse em desempenhar esse tipo de missão. Os "tratamentos" eram morosos e excessivamente prolongados (muitas pacientes levavam demasiado tempo a ser "aliviadas") e os "clínicos" ansiavam por um "método terapêutico" mais rentável que lhes permitisse atender um maior número de doentes no menor tempo possível.


Daí que, quando as primeiras "electroterapêuticas" (inicialmente associadas aos "duches estimulantes" que, nas termas, conheceram também a maior popularidade entre as senhoras) dedicadas ao tratamento da "deficiência nervosa feminina" ou da "neurastenia" surgiram, tivessem sido acolhidas por todos — médicos e pacientes — de braços abertos. Indicado para "doenças uterinas" e destinado a executar "massagens na parte inferior do abdomen durante 10 a 15 minutos", a Butler Electro Massage Machine de 1888 foi um dos primeiros vibradores vocacionados para a utilização de "três quartos da população feminina" e outros como o Excitador Vulvo Uterino, o Mortimer Granville, o Chattanooga Vibrator, o Eléctrodo Vaginal ou o Vibrador Carpenter rapidamente se lhe juntaram e passaram a ser usados tanto por médicos como, em privado, pelas próprias mulheres, ou mesmo nos salões de beleza do início deste século onde eram especialmente apreciados devido "às sensações muito agradáveis e aos resultados quase instantâneos que produzem".



Quando o "National Home Journal" de 1908 publicitava o Bebout Vibrator através das palavras "suave, agradável, revigorante e refrescante, inventado por uma mulher que sabe aquilo de que as mulheres precisam" ninguém tinha dúvidas sobre o assunto a que ele se referia. Segundo Rachel Maines (que, acrecente-se, em virtude da publicação do seu primeiro trabalho sobre o tema em 1986, foi despedida da Clarckson University), foi, porém, nos anos 60 e 70 que, ao reaparecer totalmente desprovido dos seus disfarces "médicos" e abertamente comercializado, "a eficácia do vibrador na produção do orgasmo feminino se tornou o mais forte trunfo de vendas. O movimento feminista completou o que tinha começado com a introdução do vibrador electromecânico no lar: colocou nas mãos das mulheres a tarefa que mais ninguém queria". (2002)

5 comments:

ND said...

este blog é mil wikipédias!
:)

Anonymous said...

Olá, tenho muito interesse na área que se destina a estudo de artefatos eletromecânicos e gostaria se possivel de mais informações sobre vibradores. Aguardo contato, de já agradeço.
ameliacarvao@hotmail.com

Anonymous said...

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Anonymous said...

Nunca existem sintomas em cima de homens.

Anonymous said...

Na massa dos casos, no entanto, nunca existe indícios.