14 July 2007

MÚSICA DE VARIEDADES
 

 
Weekend - La Varieté
 
 
 
 
Julie London - Julie Is Her Name
 
Quando, em 1980, nas habituais votações dos "melhores do ano" do "New Musical Expresss" — então, ainda determinante na cultura pop —, Alison Statton foi eleita 8ª melhor vocalista feminina, Stuart Moxham (com o irmão e namorado de Alison, Phil Moxham, um dos outros dois terços dos Young Marble Giants que haviam editado nesse ano o seu único álbum, Colossal Youth) reagiu com grande espanto: "Mas a Alison não é uma cantora! Ela é só uma pessoa que canta. Como se estivesse numa paragem à espera do autocarro ou coisa parecida. Uma cantora a sério canta com muito maior domínio sobre a voz". De um ponto de vista rasteiramente técnico, Stuart Moxham poderia ter alguma razão. Mas a evidentíssima verdade é que a voz de Statton era o instrumento absolutamento perfeito para as transparentes figuras geométricas de Colossal Youth, a tonalidade exacta para colorir aquele Matisse sonoro. E que, como os tempos pós-YMG se encarregariam de demonstrar (sem, no entanto, desmentir o involuntário elogio de ser apenas "uma pessoa que canta"), era, de facto, uma cantora.
 
  
 
Não da escola das divas contorcionistas vocais mas daquela outra de Astrud Gilberto ou Françoise Hardy que usa a voz como um bico de feltro para desenhar, a traço muito leve, a curva das melodias. O conceito que se encontrava latente nos YMG — um pós-punk muito anti-punk que se alimentava da tradução contemporânea da "musique d'ameublement" de Satie e que Stuart Moxham definiria como aquilo que se poderia escutar "numa rádio mal sintonizada, debaixo dos cobertores, às quatro da manhã" — germinaria por completo em La Varieté (definido na capa como "the French term for popular radio, everything that's not heavy rock"), o primeiro álbum dos Weekend de 1982, onde Statton se juntaria a Simon Booth e Mark "Spike" Williams: quase década e meia antes da reavaliação do "lounge" e da "torch-song", com um avanço de dois ou três anos sobre a explosão do "pop-jazz" dos Everything But The Girl, Carmel ou Sade, em doze canções — nas quais, para além do trio nuclear, se descobriam notáveis do jazz britânico como Larry Stabbins, Harry Beckett e Annie Whitehead ou Simon Jeffes, da Penguin Cafe Orchestra —, inventava-se uma espécie de "easy listening" astral, descendente impuro da bossa-nova, do "high-life" africano, do "cool" de Miles e Chet Baker, de Bacharach e Jobim.
 
   
 
Nunca mais voltou a existir nada que se aproximasse sequer de "The End Of The Affair", "Drumbeat For Baby", "Nostalgia", "A View From Her Room", "Leaves Of Spring" ou "Past Meets Present" (as três últimas incluídas nas oito faixas-extra da actual reedição) ou de todas as outras desta requintada vitrine de perfumes. Por motivos iguais e diferentes, em 1955, Julie London também "não era uma cantora" mas apenas um corpo que aparecia despido na capa de Julie Is Her Name. O que, se bastava para pôr em estado de sítio as hormonas da rapaziada de há 50 anos, não era suficiente para convencer os melómanos que a voz de cama que interpretava "Cry Me A River", "Laura" e ousava atirar-se a temas de Cole Porter, Rodgers/Hart, Gershwin ou Kern/Hammerstein pudesse estar à altura das Fitzgerald, Holiday e Vaughn desse tempo, ou, sequer, das mais "acessíveis" Peggy Lee ou June Cristy.
 
  
 
Nem tinha que estar. Julie London (aliás, Julie Peck) não caprichava no virtuosismo mas na temperatura do timbre escuro e velado, na escolha dos músicos (aqui, na estreia, o venerável guitarrista Barney Kessel e o contrabaixista Ray Leatherwood) e, posteriormente, nos sumptuosos arranjos orquestrais, e na selecção do reportório, entre a "torch" fatal e o registo de "teaser" falsamente ingénua. Era, sem dúvida, uma "babe" mas a sua personalidade apropriava-se completamente de cada canção e fazia-a ferver em lume brando. Não só o mundo inteiro a acolheu (mas "o mundo inteiro" falha muito) como, mais importante, algures no Rio, João Gilberto, Johnny Alf e Carlos Lyra a ouviam enquanto agitavam o tubo de ensaio da bossa. (2006)

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