14 August 2007

O HORROR ECONÓMICO



Richard Thompson & Danny Thompson - Industry

Richard Thompson é o mestre eternamente ignorado da canção britânica. Já passou há muito o tempo em que era ainda possível imaginar que, mais tarde ou mais cedo, acabaria por aceder ao estatuto público de alguém como, por exemplo, Elvis Costello. Desde a época dos Fairport Convention até à actualidade, Thompson (além do mais, também um excelente guitarrista) habitou-se e habituou-nos à ideia de que a condição de "músico de culto" tinha sido criada a pensar exclusivamente nele e a verdade é que isso é quanto basta. Os discos vão sendo publicados regularmente, nunca trepam pelas tabelas de vendas, mas o seu nome circula de boca em boca, meia dúzia de iluminados cita-o como referência ou faz versões das suas canções e, pelo menos, I Want To See The Bright Lights Tonight (da indispensável série de álbuns que, entre 74 e 82, gravou com Linda Thompson) já deve ter garantido o lugar como um dos indiscutíveis a incluir nos referendos de Dezembro de 1999.
Industry, dividido a meias com o contrabaixista Danny Thompson (outro lendário "de culto" - será "a maldição dos Thompsons"? - originário dos Pentangle, banda "rival" dos Fairports nos primórdios do folk-rock britânico) é outra peça que se vai tornar, inevitavelmente, obrigatória.


Concebido como uma sequência de canções (de R. Thompson) e instrumentais (de D. Thompson) alusivas ao nascimento, ascensão e morte da indústria tradicional, do século XVIII à era pós-industrial, prolonga, de certo modo, um outro álbum (Hard Cash, de 1990) onde Thompson também participou e que se inspirava do mesmo universo social-realista enraízado na cultura proletária britânica.
O "horror económico" poderá ter-se tornado tema de "best sellers" mas é preciso reconhecer que em poucas circunstâncias ele foi retratado de forma mais gráfica e precisa do que em algumas canções de Richard Thompson : "Poor Little Beggar Girl" e "The End Of The Rainbow", de I Want To See The Bright Lights Tonight, 23 anos depois, continuam a fazer gelar o sangue...Industry oferece o pretexto concreto para Thompson dar livre curso ao desespero dos que ainda se recordam dos tempos "when a job was there for the steady and strong", para evocar os heróis anónimos dos piquetes de greve e do esplendor da modernidade industrial quando a máquina era um prodigioso Deus de aço, chegando, por fim, aos dias do encerramento em massa das fábricas e das minas onde a única esperança que resta é apenas um sucesso improvável na lotaria ("We don't care who runs the shop, left wing, right wing, curse the lot, a million quid talks sense to me, lotteryland's the place to be").
Como quase sempre acontece com Richard Thompson, as canções são portentosamente duras e amargas, geradas a partir do antiquíssimo veio da tradição folk mas enriquecidas de todos os experimentalismos e correntes paralelas com que ele, entretanto, se foi cruzando. A ligação "cenográfica" é estabelecida pelos temas de Danny Thompson, espécie de "knee plays" instrumentais (situados algures entre Kurt Weill, o jazz e uma estética "industrial" elaborada) escritos como um requiem para uma idade que, se era devastadoramente cruel, hoje já há quem a evoque como um paraíso perdido... (1997)

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