16 December 2007

THE BROTHERHOOD OF THE UNKNOWN * (III)
(* segundo David Thomas: "The first Pere Ubu record was meant to be something that would gain us entry into the Brotherhood of the Unknown that was gathering in used record bins everywhere")


Anywhen - The Opiates

O melhor disco de Jeff Buckley. O melhor disco de David Sylvian. O melhor disco de John Cale. O melhor disco dos Tindersticks. O melhor disco de Scott Walker. O melhor disco dos Blue Nile. O melhor disco dos Divine Comedy. Sim, esses todos são apenas um só, chama-se The Opiates e a entidade colectiva na qual as outras, individuais, se materializam dá pelo nome apropriadamente vago de Anywhen e provém de Gotemburgo, na Suécia. É, aliás, para música como esta que deveria ter sido expressamente inventado o termo "fusão" mas nunca naquele sentido em que nos habituámos a empregá-lo. Porque o que neste álbum se passa é verdadadeiramente uma assombrosa fusão, dir-se-ia, espiritual, de personalidades musicais que nada tem rigorosamente a ver com o habitual jogo de referências cruzadas, de citações e pequenos furtos estéticos em que se transformou considerável parte da frivolidade "pós-moderna" (muitas vezes paradoxalmente interessante) da música actual. Aqui convém dizer que, na realidade, a "entidade colectiva" é, afinal, ela própria, quase individual. A saber, o sociofóbico Thomas Feiner (esporadicamente acompanhado pelo que resta dos Anywhen originais, músicos dispersos e, essencialmente, a orquestra sinfónica de Varsóvia), polo magnético de atracção para o qual converge uma espécie de campo de forças estético múltiplo que dá origem a uma variedade de esquizofrenia ou "split personality" musical onde, e é isso mesmo o mais impressionante, a psicopatologia adquire uma coerência, lógica e método absolutamente convincentes.


Numa única canção (transportada por avassaladoras orquestrações sinfónicas, assente unicamente sobre dispersos arpejos de piano ou guitarra ou recorrendo a secções de sopros sobre fundo subliminar de "bruitage" indistinto) e em todas elas, de um momento para outro, perplexos, ficamos sem ser capazes de dizer se são Stuart Staples ou Sylvian que cantam, se estamos a escutar Paul Buchanan ou John Cale (o de Music For A New Society ou o de Paris 1919?), se foi a alma de Jeff (ou Tim?) Buckley que, sob o efeito de qualquer "opiate", desceu sobre esta música e, irremediavelmente, se apossou dela, transformando-a num campo de batalha entre sombras e espectros. Pelo meio, segundo Feiner, há algo como um programa de vida retirado da compreensão do sentido de uma linha de diálogo de "Fight Club": "Doing a job we hate to buy things we don't need". Dito apenas assim, parece (parece?) demasiado prosaico para a transcendência de The Opiates. Mas, lá dentro, em pronunciamentos como "Here come greetings from the fires of dusk, from all the places you never dared to walk, you never saw the silent battle zones beneath your towers and beneath your gardens", há muito mais substancial matéria de reflexão. Vivam sem este disco, se forem capazes. (2001)

8 comments:

menina alice said...

Eu, definitivamente, não sou.

margarete said...

se as músicas se gastassem, este era um álbum que eu definitivamente já tinha gasto uma série de vezes

aliás, é o que está a rodar no blog desde a semana passada

Vivam sem este disco, se forem capazes.

vénia vénia.

margarete said...

olha, a menina-alice :D

João Lisboa said...

"aliás, é o que está a rodar no blog desde a semana passada"

Oh margarete, isso é brotherhood ou sisterhood (ou whatever...) instantânea!

margarete said...

:)

Anonymous said...

ó senhor joão lisboa?
a economia portuguesa ligou;
quer os 5 anos de atraso de volta.

Anonymous said...

O disco tem nova edição, pela editora de David Sylvian (Samadhisound), remasterizada e (e isto é que é importante) com dois temas novos. Na mesma editora, num disco de Steve Jansen (Slope) há um tema com vocalização de Thomas Feiner. Para matar saudades...
... texto sobre a reedição era merecido.

antónioM.

André said...

João, nunca saberei como lhe agradecer o seu artigo no "Expresso" no remoto ano de 2001. Ainda o guardo em papel recortado dessa edição, encartado na caixa deste cd obra-prima. Possivelmente, não fosse a sua escrita apaixonada sobre esta pérola, nunca a teria chegado a conhecer. Um disco que me acompanha desde então, e que a cada audição ainda se revela de forma surpreedente.