29 March 2008

MÁQUINAS DE SONHAR



Tuxedomoon - Bardo Hotel Soundtrack

Eles iludem-nos. No “booklet” do álbum, muito confessionalmente, contam-nos: “Os Tuxedomoon têm muitas musas, uma das quais é o dogma de S. Francisco na segunda metade do século XX que, na imaginação popular, aparece com a aura da Florença do Renascimento: um lugar de misticismo, caldos culturais exóticos, empreendimentos inspirados e um optimismo ingénuo mas encantador, uma cidade que era, então, tão bela que muitos preferiam ser, aí, pobres, do que ricos noutro sítio qualquer. Parece bastante apropriado que os Tuxedomoon aí se tivessem manifestado e que lá, e nos quartos do Bardo Hotel, nos tivéssemos reencontrado, vinte e cinco anos mais tarde”. Procurem: não existe nenhum Bardo Hotel em S. Francisco. Mas existiu, em Paris, no nº 9 da Rue Gît-le-Coeur, o “Beat Hotel”, espelunca da “rive gauche”, onde, entre 1957 e 1963, Allen Ginsberg, William Burroughs, Gregory Corso e Brion Gysin experimentaram pleromas lisérgicos, inventaram “cut-ups” e “dream machines”, escreveram Kaddish, Naked Lunch e The Last Museum.



É neste “último museu” – o derradeiro romance de Gysin – que o decrépito “Beat Hotel” é encenado enquanto “Bardo Hotel” e manifestação física da mesma demanda espiritual perseguida pelo Bardo Thodol (O Livro dos Mortos) do budismo tibetano, do qual, em 1964, fechando provisoriamente o círculo Oriente/Ocidente, antiguidade/modernidade e metafísica/(al)química, Timothy Leary, Ralph Metzner e Richard Alpert ofereceriam a versão “aggiornata”, The Psychedelic Experience. Era, nessa altura, cândido e inocente o mundo que o filme de George Kakanakis procura reconstituir, com a banda sonora dos Tuxedomoon, regressados à vida, após o surrealismo elegante, decantado no laboratório de improbabilidades de Cabin In The Sky (2004). Depois de nos iludirem, eles, Tuxedomoon, dizem-nos a verdade: Bardo Hotel compõe-se de fragmentos/extractos/uma construção de elementos sonoros e derivas visuais. É uma estrutura ‘free-form’, constantemente desenvolvida, desconstruída e remisturada com o único objectivo de criar um corte, uma fissura, um espaço para quem vê poder livremente imaginar. (...) Bardo Hotel é uma ausência de rumo, uma técnica de passagem rápida através de ambientes diversos”. Sim, exactamente o que Blaine L. Reininger, Steven Brown, Peter Principle e Luc Van Lieshout confirmam, superiormente, em prosaicos (ou nem tanto) violinos, saxofones, clarinetes, trompetes, fliscornes, guitarras, baixos, harmónicas e processamentos informáticos vários. (2006)

1 comment:

MAL said...

Tuxedomoon, o meu grupo musical preferido... Fui ver dois dos três espectáculos que deram em Portugal... e tirei uma foto com o Brown, Reininger e Principle. Sou mesmo groupie lol...