31 May 2008

TOM WAITS: AUTOBIOGRAFIA EM PEQUENAS PRESTAÇÕES, DITOS DE ESPÍRITO E SABEDORIA (XXXVI)



"É verdade que a minha música se tem tornado cada vez mais despojada. Até se reduzir quase só a uma frase. Sinto necessidade de qualquer coisa rudimentar, fundamental. Actualmente, prefiro escrever sem nenhum instrumento, só com a minha voz. E estalando os dedos. Isso liberta-me da tirania do teclado ou da escala da guitarra. A perfeição é inimiga do bom. Repare na pop: actualmente, parece o Exército de Salvação, uma troca de trapos velhos. Mesmo que se coloque dezassete instrumentos numa canção, ela continuará desencarnada. O que faz falta são canções. O que é superficial desaparecerá. No hip-hop, uma bateria e um órgão podem chegar. São simétricos, satisfatórios. E quais são as raízes do hip-hop? Os blues.

(...)

"Descobri os blues quando era miúdo, ainda que os artistas mais importantes para mim fossem os tipos da country: Johnny Horton, Bobby Bare, Marty Robbins. Foi uma transmissão filial: em San Diego, vivia ao nosso lado uma família de boémios, entre os quais um leiteiro estranho. O meu pai e ele trocavam discos. E o organista da igreja era doido por blues. A música difundia-se através da rádio, do boca-a-boca, dos viajantes. Hoje em dia, é muito mais simples descobrir coisas, na minha opinião, simples de mais até. Sentamo-nos ao computador e podemos encontrar tudo o quisermos sobre qualquer artista. Há muito mais do que o necessário e não é preciso fazer nenhum esforço. Não digo que seja forçosamente mau. Mas, para criar, é necessário batermo-nos por isso, perdermo-nos, dissiparmo-nos. Ser músico é tentar invocar a sorte. Agrada-me muito a ideia de combater um inimigo invisível. Se, ao fim de um dia no estúdio, não estou de gatas e com os cabelos em pé, é porque a coisa não correu nada bem.

(...)



"Encontrei-me com o Bukowski uma ou duas vezes. Foi mais ou menos como quando conheci o Keith Richards, procurei enfrentá-los copo a copo. Mas, ao pé daqueles tipos, é-se sempre um principiante, uma criança. Estamos a beber com piratas de longo curso. É melhor esquecer tudo o que julgamos saber acerca de beber sem cair para o lado. Estava convencido que lhes podia dar luta mas, tanto com um como com o outro, nem lá perto cheguei. São feitos de outra massa. Parecem estivadores. Mas foi muito interessante.

(...)

2006



(2008)

30 May 2008

PRATICAMENTE PERFEITO



Bonnie ‘Prince’ Billy - Lie Down In The Light

Aparentemente, dir-se-ia que The Letting Go (2006) representava um pico de sofisticação musical na discografia de Will Oldham – os arranjos de cordas e a muito polida atmosfera geral – que considerável parte do que ficava para trás, bastante mais rude, agreste e quase artesanal, não deixava adivinhar. E que, a ser prosseguido, dificilmente poderia voltar a ser igualado. Fale-se, então, dessa escorregadia palavra: maturidade. Sim, Lie Down In The Light é a demonstração integral e absoluta de como o ’Bonnie’ Prince atingiu aquele ponto de quase impossível retorno em que já não é arriscado apostar que, de agora em diante, lhe estará vedada a hipótese de gravar um álbum apenas mediano e que o poderá fazer em qualquer uma das diversas variantes do idioma que preferir. Por exemplo, neste caso, a de um folk/country/rock de uma Nashville ideal onde a inclinação para a pop (“So Everyone”, não fosse a artrite do mercado e da indústria, bem poderia ambicionar a um lugar confortável nas tabelas de vendas e “(Keep An Eye On) Others Gain” não destoaria no volátil psicadelismo dos Byrds de Fifth Dimension) não estorva os momentos de interioridade e a voz de Ashley Webber – num tradicionalíssimo formato de duetos – lhe oferece um espelho absolutamente límpido. Praticamente perfeito.



(2008)

29 May 2008

NOVAS PEDAGOGIAS PATRIÓTICAS:
OU AS "CIÊNCIAS" DA EDUCAÇÃO
TÊM DE DESCOBRIR O CACHECOL




Presume-se, pois, que "os níveis de confiança no grupo de trabalho" tenham ficado ainda "mais elevados". E, carago, "a indústria portuguesa fez 11 quilómetros de cachecol seguidos"!... O que não só cria postos de trabalho como ajuda a meter na cabeça dos fedelhos que, carago, o tamanho é realmente importante! A chamada "educação para os valores".

Aderindo ao princípio "size matters", hoje, tem de ser maior:



(2008)
JUNK FOOD GOURMET



Chicha Libre - Sonido Amazonico

Quer Yma Sumac tenha sido uma lendária princesa Inca descendente de Atahualpa, uma miúda judia de Brooklyn (chamada realmente Amy Camus) ou apenas uma cantora com uma extensão vocal superior a três oitavas inventada como diva de “lounge” exótico pelo compositor Moisés Vivanco, não poderia constituir melhor antecedente histórico para os Chicha Libre. A saber: Olivier Conan (francês expatriado em Brooklyn, executante de “quatro”, um cavaquinho venezuelano, e responsável pela editora e clube Barbès), Vincent Douglas (praticante de “surf guitar”), Josh Camp (no arqueológico teclado Hohner Electravox), o baixista Nick Cudahy (ex-Combustible Edison) e percussões várias, entregues à tradução para o idioma pop contemporâneo de uma espécie de Tropicalismo peruano – a “chicha” – que, há 40 anos, passara a “cumbia” colombiana, a música andina, aromas de Cuba, órgãos Farfisa e guitarras eléctricas pela misturadora.



E, na melhor tradição da mais saborosa “junk food” musical o fazem, atirando para a gamela a ferver a "Primavera" de Vivaldi, ardorosos solos distorcidos de Electravox, a "Pavane" de Ravel, “Popcorn” (o hino de mil supermercados), Satie, Joe Dassin, textos em francês e castelhano. Ou o Verão em gloriosa antecipação.



(2008)

28 May 2008

CONTRAPONTO
(repescado a partir daqui)



Tindersticks - Bareback: Nine Films By Martin Wallace (DVD)

O subtítulo é significativo: "nine films" e não "five clips". Porque, nestes 45 minutos de imagens e música (ou, quase integralmente, micro-narrativas e música), viaja-se por um universo consideravelmente distante do cânone corrente do vídeo pop de promoção comercial. Martin Wallace inventa para cada uma das nove canções dos Tindersticks um momento de ficção enraízada num certo espírito do "realismo britânico" — a sucessão de momentos de uma resignada e melancólica banalidade no espaço da cidade/mundo que, não por acaso, se inicia com "City Sickness".



Umas vezes quase documental (a cores ou a preto e branco granulado de baixa resolução, a pobre relojoaria mecânica da ocupação humana do tempo e do espaço urbanos), outras mais "artificiosamente" (o diálogo cantado entre Stuart Staples e as imagens femininas que vão sendo projectadas no ecrã de uma sala de cinema em "Can We Start Again?"), é o género de exacto contraponto entre banda sonora e movimento visual que tende a associar inexoravelmente uma e outro.



Por outras palavras, "Rented Rooms" será para sempre aquele luminoso plano fixo a preto e branco a explodir, em "zoom-in" e a cores, numa versão de lounge-showband-jazz de casino e a regressar simetricamente ao início; "Bathtime" (único exemplo de videoclip mais próximo do formato convencional) fica definitivamente circunscrito a um elegantíssimo plano-sequência único dos Tindersticks, em círculo, filmado aos solavancos; e "The Art Of Lovemaking" dificilmente se descolará daquele exercício de kamasutra desesperadamente solitário, algures entre Chaplin e David Lynch.



(2005)

27 May 2008

CITY GHOSTS (I)

Lisboa, Portugal, 2008

















(2008)
MANIFESTO DE BREVIDADE
(repescado a partir daqui)



Tindersticks - Can Our Love

Quarenta e cinco minutos e oito canções. Um pequeno e discreto manifesto de brevidade (só contrariado pela maior extensão de alguns temas) onde Stuart Staples e os seus nada "merry men" de Nottingham se entregam a uma pessoalíssima variação sobre o vocabulário da soul clássica na qual, desta vez, tudo se desenvolve muito menos a partir do arrebatamento romântico das melodias e das orquestrações para se concentrar numa espécie de manso exacerbamento da interpretação — ainda que falar de exacerbamento, no caso dos Tindersticks, deva ser sempre encarado dentro dos limites de uma refinada e decadente elegância...



Se "Dying Slowly", a canção inicial, parece remeter ainda para o modelo reconhecível da melancolia "à la" Tindersticks, "People Keep Comin' Around", a seguinte, é já só quase um exercício de rítmica pneumática em torno de um "groove" francamente reminiscente de "Riders On The Storm", dos Doors, e, após a flutuante litania sonâmbula de "Tricklin'", "Can Our Love" regressa ao modelo da balada soul num certo registo-Otis Redding sobre sopros e fraseado líquido de guitarra, "Sweet Release" alimenta-se de um lânguido riff de Hammond e de um suave crescendo sublinhado pela soulíssima reiteração do refrão, "Don't Ever Get Tired" prossegue na mesma via e "No Man In The World" e "Chilitime" acentuam a tendência através da quase recitação do texto e pela redução ainda mais pronunciada do andamento. Na verdade, nada de extraordinariamente novo no universo musical dos Tindersticks, que implicitamente, desde sempre, se lhe referia. Mas, inegavelmente, uma inteligente e sofisticada alternativa que, sem desvirtuar a personalidade do grupo, lhe permitiu ainda mais um álbum daquela imaterial poética das emoções que estabeleceu como o seu único território.



(2001)
SEM PLANO
(repescado a partir daqui)



Depois de tocarem em Braga, para uma plateia de estudantes, às quatro da manhã, sob chuva torrencial, os Tindersticks voltaram a Inglaterra. Mas Stuart Staples, voz e autoconfessada força motriz da banda ("embora não necessariamente na melhor direcção"), ficou em Lisboa para conversar acerca do novo álbum Can Our Love e dos dez anos de carreira de um grupo eternamente à beira da dissolução e ciclicamente redescobrindo que, se calhar, para as seis pessoas que o compõem, não existe estimulante mais intenso do que o que surge de cada vez que se reencontram.

Foi vossa intenção deliberada gravar um álbum de curta duração, 45 minutos de música?
Não. Simple Pleasures foi intencional. Para este disco não fazíamos nenhuma ideia de como iria ser. Tínhamos imensos pontos de partida mas em canções como "Sweet Release", "Can Our Love" ou "People Keep Comin' Around", foi o próprio peso e intensidade delas que determinou tudo, elas exigiam espaços de respiração, não poderiam viver num álbum sobrelotado.

Não é, de todo, uma referência nova na vossa música. Mas, mesmo assim, parece-me existir uma certa predominância maior de uma estética soul clássica neste disco...
É verdade. É algo que tem vindo naturalmente a crescer. Quando gravámos Curtains, sentimos claramente que ele assinalava o final de alguma coisa. E tivemos de nos afastar dos cinco anos da nossa história passada. Pretendemos redescobrir a essência das coisas, reinventar uma outra simplicidade, identificar os elementos básicos. Simple Pleasures emergiu de uma certa área da nossa consciência onde procurávamos distanciar-nos desse passado e isso era muito evidente. Neste álbum partimos de pequenas ideias e deixámo-las apenas fluir espontaneamente, sem nenhum plano prévio. Absorveu esse tipo de influências de que falou mas também, aos meus ouvidos, continua a transpirar Velvet Underground, Tim Hardin ou Joy Division por todos os poros. São pontos de referência de que não nos conseguimos afastar.



Talvez por isso o álbum não se desenvolva segundo um percurso rectilínio: de início, remete para o passado do grupo, depois assume a inflexão soul, "Tricklin'" é um momento de suspensão, a influência soul regressa e termina consigo recitanto mais do que cantando os textos...
Não gostamos muito de linhas rectas... (risos) Qualquer um pode desenhar uma linha recta.

Se tiver bebido um bocadinho de mais pode não ser fácil...
Pode-se sempre utilizar uma régua... Falando a sério, as canções reagiram umas às outras e temas como "Tricklin'" e "Don't Ever Get Tired" criaram esse tal espaço para que as outras se pudessem espraiar.

"Tricklin'" parece quase um mantra sonâmbulo...
Ainda me surpreende a forma como ela acabou por aparecer no disco. Foi uma coisa que, por nenhuma razão aparente, ia trauteando a caminho de casa. Quando cheguei, gravei-a no meu pequeno estúdio em menos de três quartos de hora. É bastante representativa da forma como este disco foi concebido.

Que especial relação é essa que existe entre os Tindersticks e os burros? A vossa colectânea chamava-se Donkeys (segundo me disse na altura, porque a palavra soava bem), neste álbum, na capa e na contracapa, há fotografias de burros...
Passámos três semanas num pequeno estúdio escuro. E quando decidimos sair cá fora, em Devon, existe um "santuário" de burros onde vou muitas vezes. É um lugar onde eles, encarados como uma espécie de símbolo de abuso laboral, são libertados. Não sei muito bem porquê, mas pareceu-nos que aquelas imagens teriam alguma coisa a ver com o espírito do disco. Experimente convencer um burro a andar se ele não estiver para aí virado....(risos) Mas aconteceu praticamente o mesmo com todas as nossas capas. A imagem do primeiro álbum vimo-la na parede de um restaurante chinês de "take-away". Era a capa perfeita para o álbum. Quisemo-la comprar mas o dono do restaurante não a quis vender. Tivemos de ir lá fotografá-la.



Há quatro ou cinco anos, houve um momento em que, segundo confessaram, o grupo teve de parar para reflectir e decidir se desejava ou não continuar a existir. Agora, que celebram dez anos de carreira, sentem que essa dúvida foi ultrapassada?
No ano passado, não nos encontrámos durante sete meses. Quando iniciámos a gravação deste disco, fizemo-lo com uma atitude ultra-céptica. Não estávamos absolutamente convencidos de que fazê-lo seria uma boa ideia. Foi durante a gravação de canções como "No Man In The World" e "Sweet Release" que sentimos que havia outra vez alguma coisa importante que emergia de nós seis naquela sala. E compreendemos de novo que, só entre nós aquele tipo de relação se pode estabelecer.

De qualquer modo, quando ainda antes dos Tindersticks (chamavam-se, então, Asphalt Ribbons), começaram a compôr e a tocar, imaginavam que, mais de dez anos depois, continuariam a publicar discos e a actuar?
Não. Procedemos sempre por pequenos passos. Num congeminámos um grande plano. Poderei ter funcionado como uma força motriz para a banda embora não necessariamente na melhor direcção... Mas, pelo menos, faço as coisas andar para a frente. Ainda na semana passada, em Bruxelas, demos cinco concertos totalmente diferentes, todas as noites: com pessoas diferentes tocando connosco e reportórios diferentes. A primeira noite foi mais dedicada ao primeiro álbum, a segunda com uma orquestra de cordas, a terceira com uma secção de sopros, na última, foi tudo o mais acústico e despojado possível. É este género de pequenas surpresas e estímulos que nos impele a prosseguir.



(2001)

26 May 2008

FIM DE CAPÍTULO
(repescado a partir daqui)



Tindersticks - Donkeys 92-97

Stuart Staples fala como se tivesse pavor de que uma só das palavras que pronuncia pudesse deixar uma impressão errada. A voz sai-lhe segredada, quase inaudível, repete as ideias, gagueja, sorri embaraçado com algumas das perguntas mas, mesmo assim, lá consegue explicar as razões por que os Tindersticks se decidiram a editar Donkeys, uma compilação que recolhe todos os seus singles e raridades avulsas até aqui dispersas. E, depois, anuncia que o grupo se prepara para grandes mudanças ao mesmo tempo que conta como realizou a fantasia de cantar com Isabella Rosselini e não consegue encontrar outra razão para o título do álbum a não ser que "it just felt right".

Por que motivo decidiram publicar agora esta compilação de lados B e raridades que não é exactamente aquilo a que nos habituámos a chamar um "Best Of"?
Suponho que porque, para nós, ele funciona como o encerramento de um capítulo. Resume todo um ciclo de canções, garantindo, ao mesmo tempo, que nada daquilo que fomos publicando fique indisponível.

Se isto encerra um ciclo de canções, como irá ser o seguinte?
Ainda não sabemos bem, estamos a trabalhar para o proximo disco. Penso que vai ser muito diferente dos anteriores embora também não me espante que, depois, as pessoas não identifiquem muito bem essas diferenças. Mas estamos a descobrir uma nova forma de escrever as canções com uma ênfase muito mais nítida na totalidade do grupo e na contribuição das ideias de cada elemento.



Por que motivo esta compilação se intitula Donkeys?
Só porque sentimos que ficava bem (risos). Há qualquer coisa nessa palavra que casa perfeitamente com o espírito das canções. Não houve nenhuma outra razão muito especial.

Ouvindo o disco, houve uma coisa que me chamou a atenção e em que antes nunca tinha verdadeiramente reparado: a apurada sensibilidade pop dos Tindersticks na forma como, a partir de um desenho de guitarra, de um "leitmotiv" de cordas ou da forma como cada canção cresce da estrofe para o refrão, se define o essencial...
Mas nós sempre nos encarámos realmente como uma banda pop. Quando escrevemos uma canção, partimos de uma ideia inicial e procuramos conduzi-la até à sua conclusão natural. Embora isso não queira dizer que tenhamos uma fórmula secreta que nos indique exactamente como havemos de fazer as coisas.

A partir de certa altura, enveredaram por uma via de pop orquestral. Do vosso ponto de vista, isso constituiu um desenvolvimento inevitável?
Foi uma consequência muito natural do facto do Dickon fazer parte do grupo e de ele tocar violino. A utilização de uma orquestra acabou por ser também uma forma de evitar que, para gravar as partes de cordas, ele tivesse de tocar trinta vezes a harmonia de cada canção. Parece-me, por outro lado, que essa via já deu os frutos que tinha a dar e é altura de mudarmos de rumo.

Vai ser essa, então, uma das mudanças?
A mudança irá ser mais profunda. Não é uma questão de nos vermos livres disto ou daquilo em particular. Trata-se verdadeiramente de descobrir o que funciona realmente bem quando nós os seis tocamos em conjunto e ser capaz de transpôr isso que é, de facto, especial para um disco. O que, até aqui, creio que ainda não conseguimos. Esse é o objectivo mais importante.



De qualquer modo, os Tindersticks, como os Divine Comedy ou os Walkabouts integram-se numa corrente de pop orquestral que está a crescer...
No caso deles, deve ter sido porque todos ouviram os nossos discos!... (risos) Claro que é muito simples decidir que se deseja escrever pop orquestral e contratar um arranjador. Como sabe, nós não funcionamos dessa forma. Connosco esse impulso veio de dentro.

Independentemente disso, no seu caso, como cantor, tem consciência de se estar a referir a uma antiga tradição de "crooners"?
A verdade é que os cantores que eu admiro não vêm dessa tradição. É certo que, há cerca de dois anos, estávamos obcecados com a ideia de escrever a canção definitiva de Jimmy Webb. Mas levámos isso até onde era possível e, agora, já não vale a pena continuar por aí.

Lembro-me de ter lido que, em determinado momento, contactaram Juan Garcia Esquivel, o papa do "easy listening" mexicano para escrever para vocês...
Isso foi há cerca de três anos. Foi uma daquelas coisas que nos passou pela cabeça. Admirávamos a música dele (se quiser, foi, mais uma vez, esse filão da música orquestral) e lembrámo-nos de lhe falar. Mas é como lhe digo, agora, há que seguir por outro caminho.

Como é que surgiu a ideia para o seu dueto com Isabella Rosselini em "Marriage Made In Heaven"? Pensou nela desde o primeiro momento?
Essa é uma das nossas primeiras canções. Originalmente, cantei-a com a Nikki, das Huggy Bear, e editámos pouco mais de mil exemplares. Gravámo-la e misturámo-la num único dia mas era uma daquelas canções a que estávamos sempre a voltar. Quando decidimos regravá-la tínhamos um certo desejo instintivo em relação à possibilidade de o fazermos com a Isabella. Imaginámos como ela seria e fomos atrás dessa ideia para confirmar se tínhamos razão. E, de facto, encontrá-la e estar com ela confirmou as nossas fantasias.

Ela revelou-se uma cantora natural?
Não. Mas os cantores naturais também não têm assim tanto interesse, pois não? Ela é uma actriz e o que faz nesta canção é representar.



Se relacionarmos esse seu dueto com a outra versão de "No More Affairs" cantada em francês, vamos ter quase directamente a Serge Gainsbourg e Jane Birkin...
Espero bem que sim...(risos) Essa versão em francês tem a ver com a ideia de sempre me ter fascinado a expressão das emoções através da fonética de uma língua que não compreendo.

Na ultima linha do "press release" para este disco, é referido que os Tindersticks são vestidos por Timothy Everest, um alfaiate de cavalheiros londrino. Isso é assim uma coisa tão importante para vocês?
Houve uma altura em que foi. Vestíamos uma roupa que mais ninguém usava. Tal como acontecia com as nossas canções.

Para terminar, posso-lhe pedir o seu "top ten" de discos privado?
Sempre que me perguntam isso, faz-se-me uma branca no pensamento. Mas acabo sempre por falar de gente como Tim Hardin, Velvet Underground, Big Star, Al Green, Townes Van Zandt...

Na primeira vez que conversámos, disse-me que passou a juventude a ouvir os discos de Neil Diamond da sua mãe...
Isso é uma velha tradição de família... Pelo Natal, ou são esses ou os do Perry Como...



(1998)

25 May 2008

O FADISTA: A PERFEIÇÃO IDEAL DO IGNÓBIL (III)

(fotos Mouraria, 2008)

"Se é certo que Maria Severa se evidenciava pela fanfarronia com seu travo de impudor, é não menos certo que outras colegas suas lhe seguiram o exemplo e deixaram nome nos anais da pimponice da Mouraria. A Maria Romana, a Piedade, a Felicidade, a Joaninha e a Umbelina cega, contemporâneas da Severa, foram as principais fadistonas bairristas; mas a terceira era a mais bonita de todas, uma mocetona de boa pinta, coisa muito papa-fina. As três primeiras moravam nas lojas à entrada da Rua do Capelão, que se conserva tal qual estava naquela época.


A primeira delas acabou feita contrabandista no sítio, e a segunda amancebou-se com o Rito, empregado na administração do bairro, que legou uns poucos de prédios ao filho. A Umbelina cega, a mais antiga, uma desordeira maior de marca, já ali estava no tempo dos franceses, quando a Rua do Capelão e as betesgas circunvizinhas eram outros tantos covis de ladrões, onde entravam os moleiros com os seus burros, desaparecendo uns e outros sem haver mais nova nem mandado deles". (in História do Fado, de Pinto de Carvalho/Tinop, 1903)



(2008)
SEMPRE ME PARECEU QUE NÃO É POSSíVEL
GOSTAR REALMENTE DE CINEMA SEM GOSTAR
MUITO DISTO...


... e, talvez, particularmente, disto:


Bowanga Bowanga! - real. Norman Dawn, 1951

a indústria de saguão em estado de quase inocência primordial, o pacto de suspensão do "disbelief" esticado até às últimas consequências, o kitsch voluntário/involuntário derramado em cascata sobre uma colagem superiormente mal enjorcada de "footage" documental/etnográfica de tribos "exóticas", "wildlife" tropical (mas não necessariamente: atenção à fulgurante aparição do "alce da savana"!) e pin-ups - de atributos muito diversamente valorizáveis - em bikini: as Ulama, "white sirens" sanguinárias da selva africana. Ali mesmo ao lado de Las Vegas.



Na contracapa, um alerta: "CAUTION: This film feature contains scenes of real natives in their natural environments and nudity". Inteiramente pertinente: no contexto de Bowanga Bowanga! (e do seu complemento de "double feature", Devil Monster), a súbita colisão com o real e o natural pode chegar a ser intolerável.



(2008)

24 May 2008

ISTO



Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal - real. Steven Spielberg

Fila serpenteante à porta da sala (sem lugares marcados) vinte minutos antes do início da sessão. Lotação esgotada. Formigas gigantes. OVNIs, ETs e Incas. John Hurt e Ray Winstone outra vez juntos, depois de The Proposition. Rosewell. Testes nucleares no deserto do Nevada. Cate Blanchett (aliás, Bob Dylan, aliás, Jude Quinn), na qualidade da "Indy girl", quase "Bond girl", Irina Spalko, coronel-médica, agente soviética, Ukrainian-belle, favorita de Estaline pelos seus poderes psíquicos e avançados conhecimentos no domínio do paranormal. Conquistadores espanhóis e o El Dorado. Os anos 50, Elvis Presley, um Indy-junior rockabilly e fumos de McCarthysmo.



Em entrevista ao "Actual"/"Expresso" da semana passada, quando interrogado se, aos 65 anos, existem já cenas fisicamente mais arriscadas perante as quais diria a Spielberg e Lucas "Desculpem, mas isto eu não faço!", Harrison Ford respondeu: "Porque haveria eu de dizer tal coisa? Não. Repare: um filme é o meu exercício. É isto que faço quando quero divertir-me. Entregar as cenas a um duplo? Estão a brincar? Adoro a minha profissão. Adoro correr, saltar, ser atirado, cair e rebolar-me no pó do chão com uma cambada de criminosos transpirados. É exactamente isto que me agrada no que faço. Se não fosse isso, meu deus, acho que teria de, sei lá, representar ou coisa parecida!".



O cinema não é só isto. Mas sempre me pareceu que não é possível gostar realmente de cinema sem gostar muito disto.



(2008)

23 May 2008

À LETRA



Tindersticks - The Hungry Saw

Não há-de ser impunemente que uma parceria de criação de canções (e do indispensável “mood” conferido pelos arranjos de cordas e sopros) se vê, subitamente, amputada de uma das metades. Dickon Hinchcliffe, o violinista, multi-instrumentalista e arquitecto da obscura catedral de melancolia “noir” que foi sendo edificada ao longo de quinze anos e seis álbuns, cindiu a parceria com Stuart Staples e, ao mesmo tempo, partiram também o baterista Alasdair Macaulay e o baixista Mark Colwill. Ou seja, meia alma e a totalidade da bomba cardíaca dos Tindersticks. Reduzidos, assim, a um trio – Staples, o guitarrista, Neil Timothy Fraser, e o teclista, David Boulter – obrigado a recorrer a mão-de-obra de estúdio para completar o elenco, poder-se-ia supôr que The Hungry Saw fosse sério ponto de viragem para o que resta da banda de Nottingham.



Puro engano: o álbum empenha-se em reconstituir integralmente tudo aquilo que nos habituámos a reconhecer como traços da identidade estética dos Tindersticks e, nessa exacta medida, é mais uma belíssima colecção de canções na qual o que parece verdadeiramente milagroso é não se dar pelas profundas convulsões a que a anatomia interna da banda foi submetida. Porém, se escutarmos um pouco mais de perto, talvez possamos reparar como essa desesperada colagem à sua imagem de si mesmos, gera tão só a música de um colectivo que parece resignado a criar “by the book” – ainda que seja o seu próprio e valioso “book” – e se satisfaz em seguir à letra um bastamente testado roteiro.



(2008)

22 May 2008

21 May 2008

AS MANGAS E OS BOTÕES



Scarlett Johansson - Anywhere I Lay My Head

Com ele, nunca há garantia de se tratar da verdade ou apenas de mais uma efabulação. Mas, quando a “Pitchfork” perguntou a Tom Waits se tinha conhecimento de que Scarlett Johansson estava a gravar um álbum com versões de canções dele, a resposta foi “Sim, soube disso pelos jornais”. Sem qualquer irritação, no entanto. Bem pelo contrário, acrescentava mesmo um “more power to her” e explicava que “se escrevemos canções é para serem escutadas e reinterpretadas. É um sinal de que não são assim uma coisa tão pessoal que outros não possam abordar. Não faço ideia do que ela irá fazer, mas, se pegamos nas canções de outra pessoa, é para as fazermos nossas, não há outra solução. E isso, habitualmente, exige uma certa arte de alfaiataria: corta-se umas mangas, cose-se uns botões... cria-se sempre algo de diferente, é a tradição”. Até agora, não se conhece outra reacção de Waits a Anywhere I Lay My Head. Mas do que não pode haver dúvidas é que Scarlett Johansson e o produtor David Sitek (dos TV On The Radio) não hesitaram em usar e abusar da tesoura, da linha e das agulhas: quem apenas conheça de passagem a discografia de Tom Waits, sem esclarecimento prévio, dificilmente reconheceria nestas dez canções (mais um original – “Song For Jo” – de Johansson/Sitek) a assinatura dele. Aparentemente, o objectivo foi exactamente esse: pôr de lado o “respeitinho” e lidar sem grandes cerimónias com o reportório do mestre.


(experiência prévia)

Arredemos nós também o preconceito relativamente aos actores-que-se-lhes-meteu-na-cabeça-cantar. Desde Marlene Dietrich a Marilyn Monroe, Johnny Depp ou Nico (sim, ela era uma “singing-actress”), a questão nunca foi a de ousar pisar outro território que não “o seu” mas sim a de saber se havia perna suficiente para arriscar tal passo. Nos sítios da Net onde se discutem os temas reais que podem fazer vacilar o movimento da terra em torno do seu eixo imaginário, parece assente que Johansson mede pouco mais que um metro e cinquenta e cinco. Perna curta, portanto. Pelo que, sensatamente, Sitek optou por lhe utilizar o timbre de contralto exclusivamente como mais uma tonalidade da paleta – em dois temas, a voz de David Bowie é ainda outra – com que pinta um bizarro fresco algures entre os Cocteau Twins, Sinead O’Connor, Phil Spector, Debbie Harry a bordo dos My Bloody Valentine, ou Nico (lá está...) em part-time com os Mercury Rev. Quando falham – “I Don’t Wanna Grow Up”, por exemplo –, estatelam-se mas, nos momentos em que o alinhamento planetário é mais propício (“Fannin’ Street”, “Town With No Cheer”, “Green Grass”, “I Wish I Was In New Orleans”, “No One Knows I’m Gone”), a experiência chega a ser intrigantemente sedutora.



(2008)
A PROPÓSITO DE ABKHAZIA...

... um pouco mais a Norte, Kiev, Ucrânia, 2005


(2008)

20 May 2008

JÁ COMEÇOU...



... e, agora, se tudo correr menos mal, temos para três semanas e picos de "os níveis de confiança no grupo de trabalho estão elevados", "entramos sempre em campo para ganhar" e a radiografia ao nível da mitocôndria do "esquema táctico". Se o massacre for até ao fim, não nos livramos antes de 29 de Junho. Nestas alturas, dava jeito que os programas de turismo espacial já existissem e ficassem por um preçozinho em conta. Não há-de faltar muito para começar a orgia das bandeirinhas. Decidi (depois de muita terapia e grave ponderação) antecipar-me: um mês não são meses e, a partir de hoje e até ao termo do arraial do ludopédio, todos os posts serão, também aqui, finalizados com a bandeirinha. Da Abkhazia.



(2008)

19 May 2008

DOM ARMANDO, BISPO EXORCISTA,
O PIOR INIMIGO DO DEMÓNIO!
(Destak, 19.05.08)


Destak - Os demónios têm nomes?

Dom Armando - Quando constrangidos pelo exorcista a dizer seus nomes, costumam apresentá-los. Os que têm nomes bíblicos ou de tradição bíblica são demónios fortes e é muito mais trabalhoso exorcizá-los. Continuamente dão nomes como Satanás, Asmodeu, Lilit, denominações igualmente importantes. (...) Encontramos nas sagradas escrituras o demónio Asmodeu. Deparo-me muitíssimas vezes com ele porque é o demónio que destrói os casamentos. Ou rompe os matrimónios ou os impede. É tremendo!

Destak - A TV, em geral, com programas incentivadores de práticas de magia e espiritismo, bem como desagregadores das tradições cristãs e da família tem colaborado ponderavelmente para o incremento do satanismo? E o rock satânico tem concorrido para a disseminação do poder do demónio?

DA - Quando foi inventada a televisão, o Padre Pio ficou furioso. E a quem lhe dizia que se tratava de uma magnífica invenção, ele respondia 'Verá que uso farão dela!' Com efeito, a TV é corrupção da juventude e igualmente dos velhos! Ouso acrescentar: é também a corrupção dos padres, dos sacerdotes e das freiras! Com os espectáculos contínuos de sexo, de horror, de violência... A Internet é ainda pior, a Internet é ainda pior, repito. Certa vez, ao fazer um exorcismo, falando com o demónio, ele dizia 'A televisão fui eu que a inventei!' (...) Todos sabemos que existe o nudismo. Todos sabemos que haverá uma demonstração do vício, o pecado que isso representa. Ali está, não há dúvida, a acção do demónio. (...) Quanto ao rock satânico, é tremendo. Pode conduzir à possessão diabólica porque ensina o culto a Satanás. E, pouco a pouco, através do culto a Satanás, chega-se a ser possuído por ele. Satanás é esperto, introduz-se sem nunca fazer-se sentir. Pode-se começar com simples jogos de cartas, de tarots, e, através dos jogos, saber se vai ganhar na lotaria, adivinhar acontecimentos, doenças de amigos. E, pouco a pouco, vai-se sendo possuído pelo demónio".
(Dom Armando, Sacerdote Reitor do Instituto e Seminário de Stª Filomena, realiza exorcismos sob marcação telefónica - 21 888 00 39 - na Travessa de Stº António da Sé, nº 5, Lisboa)

(2008)
RIGHT THERE IN THE ROOM/O FANTASMA DE ROBERT FORSTER
(... fechando outro círculo a partir dali)


"We had started on our 10th album. It had begun the same way as all the others. I went over to his place during the day and we’d play the songs each of us had written.

I’d find him in either of two locations: pottering around the kitchen or lying on his bed, reading. The first 10 minutes would always be a little tetchy. Although we’d known each other for almost 30 years and worked closely together for a good half of that time, he’d be a little gruff; it was as if, each time I saw him, he had to get to know me again. So, he’d make coffee and I’d sit in a chair in the kitchen and pepper him with questions in an attempt to bring him around to good humour. This is where having known him for such a long time helped, because I knew the buttons to push, the silly things to say, the cheeky remark about an album he liked, the films of a certain actor I’d know he’d trash, a bit of local rock-scene gossip. Anything really, and after 10 minutes, he’d be the person I’d always known".

(2008)