28 July 2008

PESSOAS-PANQUECAS


Nicholas Carr

"Na revista americana 'Atlantic', o ensaísta Nicholas Carr publicou um texto com o título 'What the Internet Is Doing to Our Brains'. Carr é autor de um livro sobre o tema da revolução tecnológica na informação: The Big Switch: Rewiring The World, From Edison To Google, e o que ele diz é, essencialmente, uma constatação: qualquer pessoa que esteja habituada a ler livros, e livros grandes e difíceis, com muitas páginas e muito raciocínio, livros que só dão alguma coisa se o leitor der algo em troca, apercebe-se de que se torna cada vez mais árdua a concentração nesses livros e que a tendência para a dispersão e a diminuição da atenção se tornou uma segunda natureza no leitor. Vivemos em overdose de informação desnecessária e invasiva como um tumor maligno. Escapar a esta overdose é impossível, tanto na imagem como na palavra escrita, a não ser que desliguemos todas as tomadas eléctricas. Essa informação multiplicada e, muitas vezes, burocraticamente multiplicada tende a inverter ou destruir as hierarquias e a subverter o essencial ao acessório.



Existem novas leis: a imagem sobrepõe-se à palavra, a palavra tem de estar dividida e segmentada em parágrafos e pedaços, com destaques, de modo a prender a atenção. Na luta infernal pela atenção dispersa do ouvinte, leitor, espectador, tudo tem de ser hiperexplicado ou, em alternativa, sensacional e eufórico, sensacional e disfórico. Uma vez convenientemente digerida nos intervalos de outras informações que competem entre si, a informação não chega a ser hierarquizada nas nossas mentes e tudo é igual a tudo, na grande teoria da indiferenciação cultural que gera a nossa indiferença. (...) A estupidez contamina a audiência e forja o preconceito violento e iletrado que enche as caixas de comentários e certa blogosfera azeda. Carr não fala de jornalismo, descreve dificuldades pessoais para ler um livro e inscreve a história e efeitos da inteligência artificial, explicando como estamos a ser privados de 'um reportório de densa herança cultural' (a cultura ocidental) e a ser transformados em 'pessoas-panquecas', segundo a teoria de Richard Foreman. Pessoas-panquecas, fininhas e achatadas enquanto se ligam à rede de informação pelo mero toque de um botão. Pessoas-panquecas que deixarão de ler romances russos, livros de Kant e Hegel, Aristóteles e Platão. Pessoas-panquecas que deixarão de ler, simplesmente. E que terão opinião sobre tudo"
(Clara Ferreira Alves in "Única"/"Expresso" de 26.07.08)

(2008)

11 comments:

Anonymous said...

Lá está. Com a Net os cultos ficam cada vez mais cultos e os ignorantes cada vez mais ignorantes. Muda o dispositivo apenas.

"Deixarão de ler Hegel" é um exemplo muito infeliz. O Hegel seria o primeiro a louvar a Net como a etapa última do desenvolvimento do Espírito. Como fazia com a leitura dos jornais da manhã - que dizia ser a sua oração matinal.

O potencial de produção de mediocridade pelos media - e a Net é só mais um media - já é antigo, basta ler o que o Eça escreveu sobre a imprensa do seu tempo.

Quanto à "densa cultura ocidental", muitos dos "densos" pensadores ocidentais - hoje clássicos - tentaram por todas as vias destruí-la...Nietzsche e tal...

Nos anos 60 o Foucault disse que o Homem era uma invenção recente...e tal vez condenada a desaparecer...

(tudo cenas tão batidas...)

Eu dava a discografia completa do Les Baxter à Clara Ferreira Alves e tirava-lhe os livros do Kant.

Deixava-a ficar apenas com as Memórias Póstumas de Brás Cubas...

Anonymous said...

"talvez"

Anonymous said...

Imagine all the lonely years we've wasted
You with the neighbors, I at silly labors -
What joys untasted,
You reading Heine, me somewhere in China.

Let's forget the past;
Let's both agree that I'm for you and you're for me
And it's such a pity we never, never met before.

What joys untasted,
My nights were sour spent with Schopenhauer.

(ehehe)

Anonymous said...

Claro que eu acho que ler Schopenhauer hoje em dia - neste vazio colorido e pulante dos media - é um acto verdadeiramente revolucionário.

Anonymous said...

"e tirava-lhe os livros do Kant"

Menos a Crítica da Faculdade do Juízo (tradução de António Marques)

João Lisboa said...

Só para ler esta tua sequência de cinco comentários valeu a pena colocar o post.

Anonymous said...

Manuel: Já estava quase convencido que isto hoje era um exclusivo teu. Serás tu o verdadeiro homem-panqueca? (eh, eh)

Anonymous said...

ahahaha De certeza Rui. Não sou é o homem-panqueca - aquele que põe a queca acima de tudo - sou o homem-omelete...to be or not to be...

gorgulho said...

Que porra de exemplos! Como é que esta gaja leu Hegel e Kant e não percebeu que o primeiro é um charlatão que não faz qualquer sentido e o outro é um tipo que redige pessimamente as excelentes ideias que tem.

Ana Cristina Leonardo said...

o outro é um tipo que redige pessimamente as excelentes ideias que tem

essa é que é essa...
eu acho este texto da clara um bocadinho steiner de trazer por casa.

João Lisboa said...

"Steiner de trazer por casa"... lol