25 January 2009

O PENSAMENTO FILOSÓFICO PORTUGUÊS (IX)  

José Luís Peixoto



"Tenho um punk dentro de mim, debaixo da minha pele. Há vezes em que sou obrigado a pôr-me à sua frente e a segurá-lo pelos ombros, quer fugir, quer dar pontapés nos caixotes do lixo e deixá-los espalhados no meio da rua. Seguro-o como se tentasse evitar uma briga. Não faças isso, não vale a pena. Na maior parte do tempo, esse punk está a dormir, sentado num passeio dentro de mim, encostado a uma parede, com as costas tortas, o pescoço torto, inconsciente, bêbado ou drogado com o perfume dos lugares onde vou. Esse punk dentro de mim não os suporta, prefere comer restos abandonados na mesa de esplanadas do que jantar de fato e gravata na casa de príncipes, prefere vomitar aguardente destilada pelo estômago do que ter de responder palavras vazias às palavras vazias dessas conversas. Já houve ocasiões em que esse punk quis puxar a toalha da mesa posta, aquilo que mais desejou foi ver o serviço inteiro de jantar suspenso por um instante no ar da sala e, depois, a desfazer-se no chão.


Esse punk não é uma metáfora ou uma ironia. É um punk a sério. Tem um casaco que é sempre o mesmo e tem uma camisola, tem umas calças que são sempre as mesmas, com remendos de G.B.H. e de Chaos UK que não tapam os buracos nos joelhos. Aliás, os remendos não servem para tapar os buracos nas calças, servem para outras coisas. Também os buracos têm uma função que, aqui, agora, seria difícil de explicar. É possível olhar para os olhos desse punk que está debaixo da minha pele. Há vezes em que todo o seu rosto está escuro, coberto de sombras e apenas se distinguem os seus olhos, fixos, a brilhar. É mais ou menos divertido que alguém possa pensar que esse punk é uma metáfora ou uma ironia porque, se há algo que ele rejeita no seu discurso são as metáforas e as ironias. Esse punk gosta de escrever frases nas paredes, gosta de repetir refrões quatro vezes e considera que tanto as metáforas como as ironias são subterfúgios que algumas pessoas utilizam para não serem directas, para serem mentirosas, para serem cobardes e se protegerem daquilo que têm para dizer, para se protegerem do olhar dos outros sobre aquilo que têm para dizer. Esse punk engana-se muitas vezes, mas não tem medo de utilizar o verbo ser". (ler o magnífico post integral aqui)

(2009)

17 comments:

Unknown said...

Mas afinal o rapaz não era fã de metal gótico?!

Não tarda e começa a dizer que tem dentro do fígado o Paolo Conte ou debaixo do estômago música Sufi...

fallorca said...

João, se o «aproveitasses» na Pastelaria era para ver isto, ora alfarroba... Antes a Lau-Lau, com ou sem colorau

fallorca said...

Já agora, sabes ou alguém sabe se há (não interessa se gostas ou não, gosto eu) algum CD novo do Ludovico Einaudi; posterior à banda sonora «Sotto Falso Nome»?
Merci

João Lisboa said...

Nope. Connais pas.

João Lisboa said...

"Não tarda e começa a dizer que tem dentro do fígado o Paolo Conte ou debaixo do estômago música Sufi..."

É o processo de amadurecimento. Habitualmente, acaba-se a cantar mantras.

Ana Cristina Leonardo said...

este post prova que o peixoto é de todos nós

João Lisboa said...

"este post prova que o peixoto é de todos nós"

A Sabedoria fala pela tua boca, Leopardo.

bookworm said...

credo, antes uma bicha solitária. sempre faz emagrecer...

Anonymous said...

Eu também acho o Peixoto uma Laurinda. Que maravilha passear por aqui.

CC

fallorca said...

Não confundamos e, atentos aos conteúdos, parece-me que a menina Lau-Lau prefere Peixotas a Peixotos. Bom, com a idade mudam-se os gostos, as apetências para satisfazer as carências, talvez a Lau-Lau prefira Luíses

João Lisboa said...

Não toleramos insinuações soezes em relação à dignidade da candidata Laurinda!!!

Joaolsd said...

eterno retorno pah, o niilismo punk a interrogar o esquecimento originário do ser num mundo dominado pela técnica, numa sociedade da negação dos valores fundamentais da vida na qual participam tanto a moral tradicional, a religião cristã e a ciência moderna
(e reparem, como no fundo, se trata de uma excentricidade inclusiva - uma energia suicidária)

Anonymous said...

"Whenever i get dressed up
I feel like an ex-con
Trying to make good

Jean jacket and tie
Feel like such a lie
When i go to your house
I feel like i'm
Casing the joint
In the grocery store
In line behind a mother and a child
I'm going to take take that child
I'm going to take take that child
I'm going to take take that child

See because alone in my room
I feel like such a part of the community
But out on the streets
I feel like a robot by the river

Alone in my room
I feel such a warmth for the community
But out on the streets
I feel like a robot by the river
Looking for a drink"

João Lisboa said...

Joãolsd: pois, não sei, se calhar é capaz de ser isso, vai-se a ver e é mesmo o niilismo e coiso... pah.

anónimo: aaaah!... mas, acerca disso, temos aqui algum material para reflexão:

http://lishbuna.blogspot.com/search/label/gravata

fallorca said...

Pronto, pronto...

menina alice said...

LOLOLOLOLOLOL Só a foto e a primeira frase... :D:D:D:D:D:D Vou continuar a ler.

menina alice said...

"Na maior parte do tempo, esse punk está a dormir."

E eis que tudo se explica.