26 February 2010

BARALHAR OS DADOS, S.F.F.



Num dos dias em que a intempérie que ficou conhecida como Snowgeddon se abatia sobre a Costa Leste dos EUA, marquei um número de telefone de Nova Iorque, para conversar com Matt Friedberger, dos Fiery Furnaces. Exactamente na altura em que, notoriamente atrapalhado, ele, em regime de absoluta urgência, fazia os esforços necessários para encontrar quem fosse capaz de resolver uma das piores coisas que, então, poderiam ter acontecido: uma janela partida. Naturalmente, a entrevista, seria combinada para a tarde seguinte e, aí, já sob condições de temperatura e pressão mais favoráveis, foi possível esclarecer o método criativo de uma banda que, no limite, pretende deixar de ser imprescindível.

O processo de escrita das canções – fragmentárias, quase "stream of consciousness" – dos Fiery Furnaces, obedece a algum conjunto de regras particulares?
Na realidade, acaba por ser a combinação de uma série de processos diferentes. Umas vezes, existe um texto acabado para o qual, a música é concebida. Outras, a música tanto pode interferir com a organização do texto como acontecer o contrário. Ou as coisas podem surgir de momentos de improvisação e de escrita quase automática, de sequências de acordes ou de melodias dispersas, de um tópico que nos prendeu a atenção, que anotamos, e que, depois, a partir daí, vai ter a outro lugar completamente diferente. Quando estamos a moldar tudo isso sob a forma de uma canção, temos de ser extremamente críticos.



Sempre tive a ideia de que poderia ser algo de semelhante à técnica (e à estética) de montagem cinematográfica...
É verdade, no fundo, é o mesmo processo: podemos ter grandes planos, planos médios, planos de conjunto e de corte, abordar uma música sob diferentes ângulos. E isso acontece muito (em especial, no live, Remember) antes de chegarmos à fase das misturas. Não tanto naquela acepção da escultura sonora, descendente contemporânea da musica concreta, mas, de facto, mais como montagem cinematográfica.

De qualquer modo, os dois últimos discos, Widow City e I’m Going Away, abdicaram um pouco dessa lógica de puzzle...
Quisemos gravar discos que fossem uma contrapartida em relação à complexidade do live. Isso talvez, não seja evidente mas foi a nossa intenção. Pretendemos que fossem bastante directos e simples. Mas que, ao mesmo tempo, quem conhece a banda, se pudesse aperceber de como aquelas canções poderiam ter sido muito mais elaboradas. Aliás, eu nem sei bem o que é a estrutura tradicional da cancão-rock. No White Album, dos Beatles, por exemplo, há, por um lado, canções como "Cry Baby Cry" e, pelo outro, "Happiness Is A Warm Gun". Não é absolutamente necessário que as canções tenham múltiplas secções, a estrutura pode ser menos complexa.



Para chegar aí, no início, partiu de que modelos?
Quando comecei a compor, tentei imitar os Kinks, as canções mais simples dos Who, e canções soul dos anos 70, do Al Green. E não consegui!... Aos dezoito ou dezanove anos, tinha uma tal confiança que quis imitar o primeiro álbum a solo do Syd Barrett, The Madcap Laughs. Foi por aí que aprendi a escrever e a ser mais analítico e mais musical em relação a todo esse processo. Especialmente porque, sendo esse disco tão extraordinário do ponto de vista dos arranjos, fui obrigado a prestar atenção a todos os pormenores. Mas também The Fall, não pude deixar de reparar na escrita dos textos deles – por essa altura, Bob Dylan já legitimava tudo -, e a estrutura das canções do James Brown nas gravações ao vivo no Apollo, as medleys, as longuíssimas jams assentes em dois acordes... foi aí que aprendi que a transição entre as diversas partes das canções tem de ser, pelo menos, tão interessante como o refrão.



Como irá realmente ser o anunciado “silent non-record record”?
Vai ser uma caixa que conterá um livro de cerca de 200 páginas de canções com muito diversos tipos de notações: notação convencional para ensemble ou piano; outra, para quem toque apenas um pouquinho de piano ou de guitarra; outra ainda, destinada a quem esteja bastante à vontade com um instrumento... haverá bastantes instruções acerca da criação de situações musicais para quem não tocar nada de todo, mas que lhe apeteça juntar-se com amigos que se desembaracem minimamente com um instrumento, ao ponto de serem capazes de tocar as canções e, imitando-as, partirem daí para criar as suas próprias. A ideia surgiu do facto de, actualmente, devido à partilha de ficheiros, já ninguém comprar discos. Mas, mais importante do que isso, é a intenção de possibilitar aquelas pessoas que não têm o tempo ou a confiança suficientes para subir a um palco, ensaiar durante semanas a fio e transportar o equipamento para os concertos, uma oportunidade para também estarem envolvidas. Não incluirá nenhum apoio em áudio. Em determinado momento, poderá surgir um site na Internet onde se apresentarão as diferentes versões dos vários intérpretes.

Claro que irão aparecer coisas completamente diferentes das vossas propostas...
Mas é exactamente isso que nós desejamos que aconteça! Encorajamos as pessoas a não seguirem nenhum modelo, especialmente aquelas que não lêem absolutamente nada de música, a usar o livro como uma ferramenta que as estimule a tocar e a improvisar. Organizaremos, depois, uma série de espectáculos onde elas poderão mostrar os resultados a que chegaram. O livro incluirá também uma pequena sinfonia clássica mas completamente modular, desagregada, nas diversas melodias, linhas de baixo, que, cada grupo poderá reconstituir como entender. Nós participaremos de alguns dos concertos que deverão ter lugar no Outono. Nos EUA e na Europa, onde temos a esperança de, por o inglês, na maioria dos países, não ser a primeira língua, tornar as instruções e os textos das canções – particularmente se usarem os tradutores automáticos da Internet – um pouco mais abstractos e baralhar criativamente ainda mais os dados. É um projecto sem fim: idealmente, o livro deixará de ser necessário, não será imprescindível que nós estejamos presentes e o que, no termo, resultar já não terá nada a ver com o início!

(Fiery Furnaces, hoje, Santiago Alquimista, Lisboa)

(2010)

2 comments:

Anonymous said...

(hoje pensei que estava a alucinar na paragem de autocarro, não, é mesmo verdade:

http://acausafoimodificada.blogs.sapo.pt/384610.html)

Anonymous said...

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