23 May 2011

NATIONAL MUSIC CLUB



Não seria totalmente previsível que, a partir de uma canção dos National, se pudesse criar um videoclip com uma história de mortos-vivos. Mas, para Matt Berninger, que insiste em contrariar uma pequena montanha de ideias feitas sobre a banda que, praticamente, deu corpo ao rock-"indie" nova-iorquino tal como milhões de almas sempre sonharam que ele poderia ser, isso parece absolutamente natural. Sim, The National é um grupo de tipos sérios mas não aborrecidamente sérios. E que estão longe de conhecer todos os recantos onde a sua música chega.

Ontem, quando conversava com um amigo acerca da entrevista que hoje iria fazer consigo, ele sugeriu-me que lhe perguntasse se tem alguma explicação para o facto de, no ginásio que ele frequenta, a única música "indie" que é possível escutar no balneário é a dos National. O que é um óptimo ângulo para abordar aquela questão de a banda não se enquadrar realmente bem numa grande quantidade de estereótipos que, habitualmente, vêm agarrados à imagem de uma banda de rock...
(risos) A sério?!!!... Nunca imaginei que a nossa música pudesse ser tocada num ginásio... Bem, suponho que só posso ficar feliz por termos esse tipo de exposição. Não sei bem que tipo de banda imaginámos que iríamos ser ou que tipo de banda somos. Talvez, no fundo, acabemos por ser o estereótipo de uma banda rock. Não estamos convencidos de ter reinventado a roda mas, por outro lado, temos consciência de que alguns dos estereótipos que costumam associar-se a uma banda de rock – aquele lado de moda e "glamour" do estilo de vida-rock’n’roll – não se nos ajustam bem. No entanto, se calhar, há muitos outros que até nos podem ser colados. Não sei bem e, na verdade, não é coisa em que pense muito.



Mas é indiscutível que, enquanto a maioria dos grupos inicia a sua trajectória na qualidade de jovens supostamente rebeldes e transgressores que, depois, vão crescendo e o seu público com eles, os National, quando apareceram, eram já uma banda de “homens adultos”, o que não é lá muito rock’n’roll...
Entendo o que quer dizer. Quando começámos, eu já tinha trinta anos apesar de os outros ainda andarem pela casa dos vinte. O que significa que já tínhamos, realmente, ultrapassado a fase de jovens adolescentes rebeldes. Não que isso dê, inevitavelmente, origem a uma banda melhor. Mas produziu, certamente, uma banda diferente. E nunca sonhámos ser o género de banda que apareceria irremediavelmente na capa do “NME”.

Num artigo do “New York Times”, Nicholas Dawidoff chegou mesmo a afirmar (aliás, com uma intenção elogiosa) que “com os National, nunca se trata de rock’n’roll”... Concorda?
Espero bem que isso não seja verdade!... (risos) A intenção dele era caracterizar-nos como uma banda cujas canções têm profundidade e significado. O que soa um pouco aborrecido até porque eu sou um grande fã de canções insignificantes... (risos) No contexto da nossa geração e do momento em que aparecemos, foram os Strokes (que publicaram o primeiro álbum na mesma altura em que editámos o nosso) quem praticamente definiu o rock’n’roll. Foram uma banda brilhante (e ainda continuo a gostar deles) mas, de facto, nós éramos diferentes. Não porque o quiséssemos, apenas porque, na realidade, éramos. Não tínhamos aquele tipo de arrogância cool, provínhamos de outra origem. Não, necessariamente, por escolha, nunca tentámos apresentar-nos com um ar de gente muito adulta.

E, no entanto, não deixam, por isso, de cantar a “uninnocent elegant fall into the unmagnificent lives of adults” e a memória dos anos em que teriam sido “ruffians, going wild and bright in the corners of front yards”...
É verdade que existe aí uma certa dose de nostalgia mas trata-se muito também de fantasia. A minha adolescência e juventude foram relativamente monótonas. Não tenho saudades nenhumas desses tempos. Sou muito mais feliz agora.



E, segundo parece, apenas começou a interessar-se, verdadeiramente, por música, depois de concluir o liceu?
Gostava de música mas nunca tinha estado directamente envolvido com nenhuma banda. Não sabia (e ainda não sei) tocar nenhum instrumento nem me passava pela cabeça a ideia de vir a cantar numa banda de rock. Só mais tarde, na faculdade, ainda antes dos National, uns amigos me convidaram para cantar.

Contou uma vez que, quando vivia no Ohio, aprendeu a conhecer Nova Iorque através dos filmes do Woody Allen. Agora, somos nós que nos habituámos a ver Nova Iorque como cenário das suas canções. Como foi, então, passar a habitar na cidade real que escolheu para viver e que determina tanto daquilo sobre que escreve?
O facto de sermos do Ohio, no Midwest, e termos vindo para Nova Iorque foi uma consequência de esta cidade já nos fascinar muito antes de nos termos mudado para cá. Nova Iorque está presente numa grande parte das nossas canções, para mim, continua a ser um local de aventura, uma terra de Oz, um enorme mundo de fantasia, surreal e quase inatingível. Nunca sentirei que conheço a cidade como a palma das minhas mãos ou que lhe pertenço. Continuo a ter a sensação de ser um visitante de um lugar especial. Nova Iorque é, de facto, maravilhosa, uma imensa abstracção romântica e também um óptimo pretexto para se escrever. Claro que todas as cidades têm a sua personalidade mas a de Nova Iorque é verdadeiramente inesgotável. Provavelmente, se tivesse nascido cá, não me sentiria tão fascinado nem ela me motivaria a escrever canções...

Poderia imaginar-se que, sendo as vossas canções tão entranhadamente urbanas, qualquer outra cidade lhes emprestaria, facilmente, a sua atmosfera. Mas, nelas, há, sem dúvida, Nova Iorque por todos os lados...
Sim, muito poucas outras cidades poderiam criar essas sensações. Já, por diversas vezes, tentei não escrever acerca de Nova Iorque, explorar outro território, mas acaba sempre por regressar ao coração das histórias.



Acerca do último álbum, High Violet, confessou que, pela primeira vez, procurou, antes de tudo, que as canções assentassem em melodias bem trabalhadas e só, posteriormente, se preocupou com os textos. Qual foi o motivo para essa mudança
Uma das razões foi a vontade de modificar a abordagem na forma de escrever as canções. Anteriormente, procurava cantar os textos indo atrás das melodias. Procedia como se estivesse de olhos vendados: mesmo que achasse que as melodias não eram suficientemente fortes, concentrava-me inteiramente nas palavras. Hoje, tenho a noção de que as melodias são muito mais importantes do que alguma vez pensei. Em High Violet desejei muito que as canções funcionassem mesmo que os textos não fossem extraordinários. Esse era o ponto de partida. Claro que, a seguir, prestei toda a atenção aos textos. Mas o disco tinha de ser mais substancial, mais instantaneamente eficaz. Até aqui, havia uma certa ideia de que os nossos discos eram de absorção lenta: não agarravam logo à primeira audição mas, à medida que voltavam a ser escutados, eram muito mais apreciados e compreendidos. O que, de certo modo, interpretei como, de facto, as pessoas não gostavam assim tanto das nossas canções, elas não funcionavam de imediato. E isso empurrou-me para mudar de estratégia.

Já, por diversas vezes, se referiu ao facto de que, ao contrário do que é habitual dizer-se, nas vossas canções existe uma apreciável dose de humor escondido. Pelos vistos, o realizador Daniel Arthur resolveu levá-lo integralmente à letra e concebeu um videoclip para "Conversation 16" convertendo-a numa história de zombies... que tal lhe pareceu?
(risos) Espero que as pessoas se tenham apercebido de que a parte sobre “eating brains” é irónica e não literal, não sou nenhum canibal... (risos) Nas nossas canções, existem, de certeza, trevas e melodrama mas também bastante humor e optimismo. Não estarão saturadas de felicidade mas isso também lá está. Descrevem-nos como lúgubres e depressivos mas temos também uma outra faceta que, por vezes, passa despercebida. Não que isso me incomode muito mas seria interessante que quem escuta a nossa música se desse conta que ela não funciona apenas num único sentido.

23.05 - Coliseu do Porto; 24.05 - Campo Pequeno, Lisboa

(2011)

1 comment:

Unknown said...

Parabéns pela entrevista. Muito boa.