18 November 2012

COWBOY QUEEN MARGO



A uma semana das eleições presidenciais norte-americanas, a canadiana Margo Timmins confessava um enorme alívio pelo facto de a sua nacionalidade não lhe permitir escolher entre Barack Obama e Mitt Romney (“embora nesse nunca votasse, mete-me medo!”). Porque se, noutros países, podem existir dilemas eleitorais igualmente problemáticos, “pelo menos, temos o conforto de saber que as decisões do primeiro-ministro do Canadá não irão afectar o mundo inteiro. Nos Estados Unidos, a responsabilidade é imensa!” E, contudo, como ela explica pormenorizadamente, foi, justamente, às músicas e à tradição do vizinho do Sul que os Cowboy Junkies, pelo meio dos anos 80 do século passado, foram colher a matéria que, sem sequer se darem muito conta disso, transfiguraram completamente, convertendo-a naquela entidade fugidia a que só se pode chamar “uma canção dos Cowboy Junkies”. 

Há um aspecto da história dos Cowboy Junkies que me parece nunca ter sido verdadeiramente investigado e que são as vossas discretíssimas metamorfoses: começaram com Whites Off Earth Now!!, um álbum de blues eléctricos; a seguir, apareceu a assombração de The Trinity Session, totalmente fora de quaisquer categorias; e, depois, converteram-se numa espécie de padrinhos (e madrinha) de toda a "alternative country" posterior. E tudo isso sem grande burburinho, como se fosse algo de absolutamente natural. Houve alguma espécie de planeamento nesse percurso? 
Não, nunca planeámos coisa nenhuma. Tocámos sempre a música que nos apetecia e aquilo que a indústria ou os críticos possam dizer é, exclusivamente da sua responsabilidade. Nunca perdemos tempo a discutir sobre isso no interior da banda. Podem classificar-nos como desejarem que isso não nos incomoda.


Mas alguma coisa de importante deve ter-se passado para saltar de um álbum como Whites Off Earth Now!! para The Trinity Session...
Eu conto-lhe: no início, por volta do final dos anos 70, início de 80, éramos todos fãs de punk-rock, era uma coisa muito importante para nós. Como, para além do punk, não sabíamos o que haveríamos de escutar, começámos a ouvir imensos blues... velhos blues do Delta, coisa inteiramente nova para nós, ainda muito jovens. Foi daí que surgiu Whites Off Earth Now!! 

Mas estabeleciam uma ligação entre o punk e os blues? 
Quando éramos adolescentes ouvíamos as grandes bandas como os Rolling Stones ou David Bowie. Com o aparecimento do punk, não podíamos voltar atrás, para esse rock clássico, não porque tivéssemos deixado de gostar dele mas porque já o conhecíamos demasiado bem. E, como estávamos um pouco perdidos, sem saber por que caminho seguir, depois do punk – que era tão forte, tão intenso, tão cheio de fúria e coisas para dizer –, os bluesmen pareceram-nos semelhantes, eram os punk rockers da sua época. Foi assim que nos lançámos à descoberta de Robert Johnson, Muddy Waters, Howlin’ Wolf. Fazia bastante sentido: eram igualmente verdadeiros e autênticos. Em Whites Off Earth Now!!, não há, praticamente, originais, são quase todas velhos blues... enfiávamo-nos na garagem, começávamos a tocar e, muitas vezes, eu cantava aquilo que tinha estado a ouvir à tarde. (risos) Durante a digressão desse álbum, andámos pelos EUA, numa carrinha, e, nessa altura, a meio dos anos 80, gente como o Dwight Yoakam, Lyle Lovett e Steve Earle, estavam a aparecer. Ouvíamo-los, líamos o que diziam nas entrevistas onde falavam dos Louvin Brothers e da mais antiga country de que desconhecíamos tudo. No Canadá, a folk é importante mas a country nem por isso. Claro que conhecia o Johnny Cash ou o Willie Nelson mas não os escutava assim tanto. Como andávamos pelo Sul, a maioria das estações de rádio passava country. Decidimos ir a Nashville, ao Country Music Hall Of Fame. Foi uma enorme revelação. E o mais impressionante eram as letras. Quando regressámos a casa, a Toronto, para gravar The Trinity Session, estávamos encharcados em country, o que passou para o álbum. E é curioso porque essas não eram as nossas raízes. Porque antes de sermos músicos, somos fãs. 



Mas lembro-me bem que, quando escutei The Trinity Session pela primeira vez, com toda aquela rarefacção sonora, os enormes espaços vazios e a Margo pairando sobre tudo aquilo como uma Vénus de Botticelli... aquilo não era country!

(risos) Porque nós não éramos uma banda country nem pretendíamos sê-lo. Pegámos em canções da Patsy Cline ou do Hank Williams mas sabíamos que não éramos uma banda de country. Aliás, também nunca fomos uma banda punk ou de blues. Queríamos apenas fazer música, sem reflectir demasiado sobre isso. O que nos interessava era o espírito das canções e se gostávamos ou não delas. E, ainda hoje, continua a ser assim. Nunca paramos para pensar se ‘isto soa a uma canção dos Cowboy Junkies’. Uma ‘canção dos Cowboy Junkies’ é apenas uma canção que nós tocamos. 

Nesse álbum, no entanto, definiram uma sonoridade e uma atmosfera totalmente pessoais em que parecia que, no lugar de tocarem notas musicais, as subtraíam, deixando um rasto mínimo que era, afinal, o vosso rasto... 
É curioso como isso aconteceu de uma forma completamente natural. Éramos músicos muito jovens, para ser honesta, não sabíamos ainda muito bem o que fazíamos, eu nem tinha, realmente, a certeza se cantava bem... com toda a nossa inexperiência, optámos por, em caso de não saber o que fazer, não tocar! (risos) Gostava de poder de dizer que éramos génios e que foi tudo planeado, mas não foi. Se existiu alguma genialidade foi no facto de não termos tido medo dos espaços em branco, de não sentirmos necessidade de os preencher de qualquer maneira. Mas também não pensávamos que alguém fosse escutar o álbum.

O sucesso dele surpreendeu-vos?
Totalmente. E, todos estes anos depois, ainda nos surpreende que as pessoas escutem The Trinity Session e continuem a reagir de uma forma tão apaixonada.



Uma característica também muito vossa é o facto de terem sempre gostado de realizar versões de canções de outros autores. Como seleccionam essas canções de que decidem apropriar-se? 
Muitas acontecem por acaso, Como dizia há pouco, antes de sermos músicos somos fãs e, quando escuto uma canção de que gosto, penso logo em como seria bom poder cantá-la. E, por vezes, se estamos a trabalhar para um disco, uma ou outra delas, parece poder integrar-se bem. Experimentamos e o critério de aceitação é saber se conseguimos transformá-la em coisa nossa. Se isso não acontece, não vale a pena. A canção já existe por si mesma e não precisa de nós para nada. Fazemos isso frequentemente e há uma boa quantidade delas que nunca irão sair do estúdio. Mas aprendemos muito com isso, é como uma espécie de escola. Até como ouvinte de música penso que oferecemos alguma coisa de nós às músicas, interpretamo-las... 

A mesma canção nunca é igual para ouvintes diferentes e, por vezes, o ouvido de quem a escuta é mais talentoso do que o cantor ou o próprio autor... 
Adoro essa ideia! Acaba por ser tudo uma questão de interpretação: uma boa canção faz-nos sempre pensar ou, pelo menos, levantarmo-nos e dançar. 

Sendo vocês uma banda canadiana, por que motivo nunca vos apeteceu pegar numa canção de Leonard Cohen? 
Essa é uma boa pergunta. E sabe porquê? Tem tudo a ver com o que lhe contei antes. No nosso estúdio já gravámos muitas canções do Leonard Cohen. Mas nunca autorizámos nenhuma a sair cá para fora! (risos) Para nós, ele é enorme e as canções são perfeitas. Mas acabo sempre a cantá-las como ele as cantaria, sinto que não lhes acrescentei nada de importante, só a minha voz é diferente. Há-de acontecer, um dia. Há meses, numa cerimónia em que lhe foi atribuído o Glenn Gould Prize, convidou-nos para cantarmos, em palco, algumas canções dele... e ele estava lá! (risos) Foi uma sensação terrível: ele, ali mesmo ao pé, nós a querermos fazer o melhor possível e a ter consciência de que nunca iríamos conseguir chegar lá!...