23 December 2014

DA-DA-DA-DA


Carmen Miranda é um filão inesgotável para o mui escorregadio jogo das identidades (“assassinas”, como as qualifica Amin Maalouf): portuguesa, da Várzea da Ovelha, carioca/bahiana ou confecção kitsch/exótica de Hollywood? Menina do convento de Santa Teresa de Lisieux ou “Brazilian Bombshell” dançando, escandalosamente "pantieless", com César Romero, no set de Weekend In Havana? Embaixadora, nos EUA, do Brasil de Getúlio Vargas ou emissária da Good Neighbor Policy de Roosevelt para a América Latina? Intérprete de “sambas demasiado negros” ou objecto dócil de “americanização” por comodidade de marketing e facilidade de exportação? Turbante tutti-frutti ambulante ou flamejante ícone gay? “Fantasia de um qualquer executivo impotente que se imaginava um magnata do cinema” – como refere David Toop em Exotica, citando a contracapa de uma compilação de êxitos “latinos” –, "a stranger reduced to what seemed strange about her", segundo Arto Lindsay, ou o brinquedo escapista favorito de Wittgenstein?



Era, de certeza, di-lo Caetano Veloso em Verdade Tropical, “um emblema tropicalista, um signo sobrecarregado de afectos contraditórios (...) O facto de ela ter-se tornado, com o sucesso em Hollywood, uma figura caricata de que a gente crescera sentindo um pouco de vergonha, fazia da mera menção de seu nome uma bomba de que os guerrilheiros tropicalistas fatalmente lançariam mão. Mas o lançar-se tal bomba significava igualmente decretar a morte dessa vergonha pela aceitação desafiadora tanto da cultura de massas americana (...) quanto da imagem estereotipada de um Brasil sexualmente exposto, hipercolorido e frutal”. Em 2014, atirar-se ao reportório de Carmen Miranda como o faz, agora, o Real Combo Lisbonense – Saudade de Você: Às Voltas com Carmen Miranda –, já não terá um efeito explosivo de igual magnitude mas é, sem dúvida, uma sequência natural para o divertimento iniciado, no álbum de estreia (2009), com a exumação vintage “da tradição das orquestras e conjuntos que, em meados do século XX, animavam os casinos, hotéis, bares e restaurantes das principais metrópoles ocidentais”. Transatlanticamente repatriada, sem nenhuma vergonha, em clave carnavalesca, "period music" de bailarico e folia, “Carmen Miranda da-da-da-da”!

2 comments:

Táxi Pluvioso said...

Um bom Natal com muita mirra e incenso, o ouro, reservo-o para a família Espírito Santo (sem ela não haveria menino Jesus)

https://www.youtube.com/watch?v=oTTegnql6mY

João Lisboa said...

"a família Espírito Santo (sem ela não haveria menino Jesus)"

Exactamente. :-)