21 October 2015

PORQUE TEM DE SER

  
“Londres, a cidade que se devorou a si mesma”, escrevia-se no “Guardian” de Junho passado, denunciando o processo através do qual, bairros populares, mercados, pubs, comunidades inteiras, se vêem dizimados e expulsos pelo frenesim ávido de construção de blocos de escritórios, comércio e apartamentos de luxo, enquanto, impante de felicidade, o mayor, Boris Johnson, declarava “Londres está para os bilionários como a selva de Sumatra está para os orangotangos, é o seu habitat natural!”. Três meses antes, o grito de alerta era “Salvem-nos da visão dos empreendedores urbanos de uma Londres anti séptica!”, em uníssono com outros acerca da “morte lenta de Portobello, Covent Garden, Camden Lock e Chinatown”, ou a propósito do encerramento de um terço das pequenas livrarias de bairro. E, desde Fevereiro, o projecto “London Is Changing” (de Rebecca Ross e Duarte Carrilho da Graça), apelou ao envio, para o seu site na Internet, de testemunhos acerca do “impacto das mudanças políticas e económicas sobre a cultura e a diversidade de Londres” que seriam projectados em grandes placards digitais, no centro da cidade, em Holborn e Aldgate. 



Entoadas em orgulhoso sotaque cockney, é também essa uma das preocupações das canções do quinteto folk londrino Stick In The Wheel e do álbum de estreia, From Here: “Esta música é parte da nossa cultura, assenta nas nossas raízes londrinas. Não fingimos ser limpa-chaminés ou dandies do século XVII. Tocamo-la porque tem de ser tocada. Nada temos a ver com nostalgias ou atitudes retro mas há demasiada gente completamente desligada do passado e incapaz de estabelecer uma relação entre ele e o nosso presente. Soa exactamente como desejamos: se a melhor 'take' foi gravada na cozinha, é essa que fica”. Não se conte, pois, com folk sofisticada ou “moderna” à maneira de Shirley Collins ou das Unthanks: a de Nicola Kearey e cúmplices é crua, abrasiva, "no nonsense", proletária e encardida, com a alma dos Watersons e faca punk na liga, à volta de histórias de há 500 anos e dos London riots de 2011, vozes, dobro, violino e cajon, entre cartas de prisão, o duro neo-realismo de Ewan MacColl e a assombração pagã das quatro peças – "Hasp", "By Of River", "Who Knows?" e "By Of River (Reprise)" – do devastador políptico final.

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