12 July 2016

CZARINA


Os historiadores sérios são uns chatos. Incapazes de transigir perante a verdade dos factos, desmontam impiedosamente fantasias que nos alimentaram a imaginação durante anos. Imaginem o que é, por exemplo, ter acreditado piamente na existência das aldeias “à Potemkine” (verdadeiros cenários de teatro montados por Grigory Potemkine - governador da Crimeia e amante de Catarina, a Grande, da Rússia – para, à passagem da czarina por esse território recém-anexado mas ainda fracamente colonizado, a iludir acerca dessa falha) e descobrir que o estratagema das aldeias portáteis não foi senão um boato malicioso e injustamente exagerado? Não se faz. Neil Hannon, provavelmente, adepto da tese fordiana “When the legend becomes fact, print the legend”, pondo termo a seis anos de hiato discográfico, escolheu precisamente a lenda em torno da princesa alemã Sophie Friederike Auguste von Anhalt-Zerbst-Dornburg, aliás, Yekaterina Alekseyevna ou Catarina II, imperatriz da Rússia, como "teaser" (canção e videoclip "starring" Elina Löwensohn, originária da tribo cinematográfica de Hal Hartley) para Foreverland, o álbum dos Divine Comedy a publicar em Setembro. 


E - assim se deseja e aplaude - o equilíbrio entre verdade e ficção é perfeito. Sob belíssima moldura orquestral-festivaleira, apresenta-nos a personagem: “Let's talk of Catherine the Great, let's talk of love and the power of the state, she was a crazy spontaneous girl, everyone paid homage to her”. Os académicos dificilmente concordarão com a qualificação de “crazy spontaneous” mas, embalados pela melodia que, entretanto, levantou voo, serão obrigados a render-se perante a rima de “brainier” com “Lithuania” (a propósito da relação com Stanislaw Poniatowski, outra das numerosas variáveis da sexualmente voraz Sophie Friederike, na resolução da equação “love vs power of the state”): “There were few brainier, just ask the king of Lithuania, she could dictate what went on anywhere, she had great hair, and a powerful gait, Catherine the Great”. O biógrafo está tão indisfarçavelmente apaixonado (“With her military might, she could defeat anyone that she liked, and she looked so bloody good on a horse, they couldn't wait for her to invade, if I could touch but the hem of her dress, tell her a joke, bake her a cake, Catherine the Great...”) que - adivinha-se -, em sonhos, se imagina nos braços da condessa Praskovya Aleksandrovna Bruce, "l'éprouveuse" dos candidatos ao leito imperial. E, sim, isto é verdade! 

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