31 March 2016

Qualquer coisinha de português (L)

É sempre uma enorme felicidade ver um trabalho bem feito e realizado com brio

Ó mana, enrolamaíum!

Já vai com um atrasozinho 
mas é sempre muito bom

O sábio "cuja "tese de doutoramento sobre a epistemologia da Linguística estrutural abriu inesperadamente acesso à questão da relação entre a fenomenologia (Husserl, Heidegger, Derrida) e as principais descobertas científicas do século XX, a saber a teoria do átomo e da molécula, a biologia molecular, interdito do incesto e exogamia como nó do social (Lévi-Strauss), a dupla articulação da linguagem e a teoria das pulsões de Freud" e que contribuiu decisivamente para o pensamento filosóficio português sobre a grande treta homeopática, investe agora bravamente contra os neurologistas que, "tal como em outras ciências, são vítimas duma tradição filosófica de 24 séculos que não lhes deixa ver senão o ‘biológico’ do órgão que o ‘opõe’ ao mundo, sendo todavia o neuronal irredutível à oposição interior (alma, sujeito, consciência) / exterior (corpo, mundo)". Ah leão!...

30 March 2016

DESARRUMAR A MEMÓRIA 


A 1 de Fevereiro passado, em “The Conversation”, Emma Smith, professora de Shakespeare Studies em Oxford, publicou o texto “Why we need to remember how to forget” no qual, afirmando que vivemos na era da hyperthymesia (do grego: excesso de memória), explicava como “A característica definidora do que é ser humano na idade digital é a de estar esmagado pelo passado – a ameaça aos nossos presente e futuro criativos é que o passado se torne demasiado omnipresente impedindo-nos de avançar. Abram-se as portas ao potencial criativo do esquecimento”. Caso o lesse, Meilyr Jones achá-lo-ia absolutamente incompreensível ou rir-se-ia à gargalhada. Porque ele não se sente, de todo, esmagado pelo passado, ele vive, literalmente, lá dentro. E, se lhe apontam que "Strange/Emotional" exibe uma muito directa relação familiar com "Rebel Rebel", de David Bowie, não hesita na resposta: “Adoro essa canção, por isso, apropriei-me da introdução. Antigamente, não havia nenhum problema em referirmo-nos livremente a obras alheias. Hoje, olhamos para a música do passado sem essa confiança, procuramos ocultar as nossas fontes. Esses compassos de ‘Rebel Rebel’ são-me familiares para lá do ponto em que poderia falar-se sequer de empréstimo. Se vou ser autêntico, uso a minha música e a de outros, para mim, o mundo moderno é isso, desarrumar o passado. Um processo de osmose mais do que conceptual”



A canção de Bowie não é caso único em 2013 álbum de estreia a solo do galês ex-Race Horses: "How To Recognize a Work Of Art" ecoa "Disco 2000", dos Pulp (ela própria já uma montagem de citações), "Don Juan" contêm ADN de "You’re So Vain", de Carly Simon, "Rain In Rome" é a polifonia renascentista "Mon Cœur se Recomande à Vous", de Orlando di Lasso, sobre fundo de chuva e tempestade, e "Rome" uma encenação elegantemente isabelina. Opulentamente orquestral à la Neil Hannon, Meilyr Jones, “an actor recalling my previous lives, no Hamlet, no Macbeth, come and see me tonight” ou, em alternativa, “this week’s featured artist, the face of The Observer’s free magazine”, criatura impregnada de Byron, Keats e Shakespeare, deverá, então, ser considerado como um dos primeiros autores do século XXI a enfrentar, sem medo, a hyperthymesia e, desarrumando a memória, a sair vencedor do combate.

24 March 2016

Visiting Scarfolk, the 
most spectacular dystopia 
of the 1970s

"Richard Littler had a frightening childhood, too, but as a designer and screenwriter, he turned his memories of life in suburban Britain during the 1970s into a haunting and hilarious blog and book about the fictional dystopian town of Scarfolk. Littler mined the dark side of his childhood to create pamphlets, posters, book covers, album art, audio clips, and television shorts—remnants of life in a paranoid, totalitarian 1970s community, where even babies are not to be trusted"




Oh!... os heróis de Aachen... quanto feito glorioso ainda por contar!...
Kinder Surprise Crucify Jesus Kit (daqui)

22 March 2016

GOSTAR DAS TREVAS


“Ouvia o meu coração a bater. Ouvia o coração de toda a gente. Ouvia o ruído humano que fazíamos, sem que nenhum de nós se movesse, nem sequer quando a luz da sala se apagou. Quando vivemos durante tanto tempo nas trevas, começamos a gostar delas. E elas a gostarem de nós. O rosto vira-se para as sombras e elas aceitam, curam. Mas também devoram. Alguma coisa morreu em mim. Foi preciso muito tempo mas, agora, morreu. Apetecia-me ir ao pátio e gritar ‘Nada disto vale a pena!’ Não sei o que me irá acontecer nem a qualquer outro neste mundo. Noites sem início que não têm fim. A falar sobre o passado como se ele tivesse realmente acontecido. Tentando convencer-se que, para o ano, por esta altura, as coisas irão ser diferentes. No fim, as palavras são tudo o que temos e é bom que sejam as palavras certas”. O que acabaram de ler é uma montagem de citações de Raymond Carver, ele do "dirty realism" literário norte-americano. 



Considerem, agora, esta outra: “He'd wake up in the middle of the night, his heart racing so fast that he thought he was dying but it wouldn't go away, it wouldn't go away, so he'd go running and he'd keep running until he couldn't think anymore. We came home one night and our door was open, most of our things were gone or broken, all our clothes were thrown around the rooms and even our pictures were wrecked too, and the overpass where the endless miles of cars would pass, it hummed night and day and night and day, we used to think it sounded like a river, but all that slipped away that day. In the morning I'd go home, she'd be up all night from crying alone, watching a credit card TV and holding a credit card phone, sitting on a credit card couch still in her mom's beat up and ugly robe”. Carver também? Não, Willy Vlautin, dos Richmond Fontaine e Delines, mas igualmente romancista premiado. Gente da mesma família. Os Fontaine chegaram ao fim e You Can't Go Back If There's Nothing to Go Back To (magnífico, como os anteriores, por vezes, também arrepiantemente dylaniano) é o ponto final. Quando uma débil esperança espreita, ouve-se “it’s a wonderful world if you put aside the sorrow, better take the time to know it if you feel anything at all”. Não adianta respirar fundo, de alívio: os Delines vão continuar.
O Islão bom (XI)
(Mesquitas III)







(daqui; ver também aqui e aqui)

Os Dauerling também já aprenderam a cantar o refrãozinho dos afectos 
(o que, aliás, está plenamente de acordo com a tradição clássica)

"DADA reste dans le cadre européen des faiblesses, c'est tout de même de la merde, mais nous voulons dorénavant chier en couleurs diverses pour orner le jardin zoologique de l'art de tous les drapeaux des consulats" (Tristan Tzara, Le Manifeste de M. Antipyrine, 1916 - daqui)

18 March 2016

... para não dizer que sectores politicamente mais conservadores poderão considerar um nadinha abichanado (mas há que reconhecer que, nesse aspecto, o antecessor abriu novos e refrescantes horizontes)

O processo de dizimação
ainda mal começou


Nos EUA, há muito mais

 

17 March 2016

Então e o 44 não toma uma brava
Race Horses - "Pony"

Mais vale escrever, preto no branco, "Só queremos gajas boas e que não se façam muito esquisitas"
 
(daqui)
ORGIA

Imagine-se uma gigantesca orgia em que participariam os Talking Heads, Peter Gabriel (pré-"world music"), XTC, Prince, Squeeze, Van Dyke Parks, Robert Fripp, os Neptunes, Nile Rogers, Gang of Four e Prefab Sprout, organizada pelos irmãos Peter e David Brewis (aliás, Field Music). Eles desejariam ter também convidado Stravinsky, Thelonious Monk, Serge Gainsbourg, os Roxy Music, Beatles, The Left Banke e The Band mas, por motivos devidamente justificados, nenhum destes pôde comparecer. O programa obrigatório consistiria de uma rigorosa execução colectiva da totalidade das posições do Kama Sutra, acrescidas daquelas inúmeras variantes acrobáticas introduzidas pelo Divino Marquês. Os orgasmos, a acontecerem, porém, teriam de ser puramente cerebrais. Não em consequência de um pré-conceito tântrico ou taoista mas, sim, exclusivamente musical. Na ausência de confirmação ou desmentido oficiais, não será demasiado especulativo supor que, daí, teria resultado Commontime, registo da intrincada geometria sonora que tais coreografias haveriam de segregar.



Aparentemente e contra todas as probabilidades, tal estratégia destinar-se-ia a tornar o sexto álbum dos Brewises – publicado quatro anos após o imaculado Plumb - mais… err… acessível (“I am okay with the word ‘accessible’” diria o Brewis, David): em vez dos habituais labirintos rítmicos, a reconfortante vulgaridade do "common time" (o banalíssimo quaternário da silva); no lugar de uma variante civilizadamente contemporânea do prog, o pezinho erudito a fugir para a chinela pop. Deverá, então, dizer-se que, nessa exacta medida, Commontime é um glorioso fracasso. É verdade que, embora continuem a predominar os deleites do pescoço para cima, aqui e ali, vai-se sentindo, agora, também, qualquer coisinha funk da cintura para baixo. Mas, de um modo geral, é (felizmente) impossível dizer que os moços se esquivaram a incluir um solo razoavelmente atonal de sax na quase "crowd pleaser", "The Noisy Days Are Over”, que a arquitectura maniacamente detalhada de "Trouble At The Lights" é coisa para ser digerida de uma vez só, que os arranjos, simultaneamente económicos e expansivos do Crude Tarmac String Quartet são matéria óbvia ou que a pasmaceira metronómica tomou o poder. Era só que faltava.

16 March 2016

... e, por falar em homeopatia, a seresma Paltrow também arranjou um nichozinho de mercado para sacar guito ao p.o.v.o.

O Kafka era um tenrinho

Parente morre.

Para efeito de habilitação de herdeiros (e cenas afins), cidadão é informado de que, na Conservatória dos Registos Centrais, deve pedir certidão segundo a qual nem o falecido nem a esposa (sem filhos) deixaram testamento. Cidadão dirige-se à CRC, local onde é informado que, apesar de já ambas as certidões de óbito estarem "no sistema", deverá esperar, pelo menos, dez dias.

Cidadão espera dez dias.

Ao décimo dia, recebe as duas certidões e fica a saber que o recém-falecido, há mais de cinco décadas, terá feito testamento público numa Conservatória Notarial. "Mas, como foram todas privatizadas, não sei se vou poder dizer-lhe qual e onde é agora". Conseguiu.

Na Conservatória modernaça, shock and awe: "Há mais de cinco décadas???!!!... Já não deve estar cá. Deve estar é na Torre do Tombo". Estava na Torre do Tombo.

Torre do Tombo. Três perplexas araras enfrentam o pedido de reprodução do documento como se alguém lhes pedisse que corressem os 100 metros em 5 segundos. A ave mais expedita, por fim, informa que o cidadão, para concretizar o pedido, terá de registar-se no digitarq e aí o fazer. No dia seguinte, receberá mail para autorizar o orçamento e dar seguimento ao pedido.

Um dia, dois dias, três dias, quatro dias.

Ao quarto dia, telefonema para uma quarta arara. Da Torre do Tombo. "Ah... mas não há nenhum pedido registado..." Som e fúria. "Espere que, daqui a dez minutos, já lhe telefono". Impecáveis dez minutos depois: "Sabe, é que o seu pedido foi cancelado porque era necessário ter apresentado a certidão de óbito e não o fez..." Mas (som e fúria), se era precisa, por que motivo não ma pediram? "Ah... estes meus colegas..."

Torre do Tombo, segunda vez. Entrega de certidão de óbito e novo pedido de reprodução.

Dia seguinte. De sistema informático  de organismo do Estado para sistema informático de organismo do Estado, a ligação para confirmar o orçamento está ensarilhada. 

Corrida até à Torre do Tombo, terceira vez. À beira de se concluir informaticamente a autorização, jovem segurança dirige-se ao cidadão: "Não podia ter subido com a mochila!..." O quê?... É a terceira vez que aqui venho, sempre a trouxe e nunca ninguém me disse tal. "Mas não pode. Tem de a ir deixar lá em baixo!" Nem pensar. Primeiro acabo o que estou a fazer e, depois, saio.

Sem hipótese de pagamento por multibanco no balcão, será preciso fazê-lo por transferência bancária. Mas o IBAN terá de ser copiado à mão. Copia-se.

Presumível chefe da segurança aproxima-se. "Já lhe disseram que não podia ter subido com a mochila!!!..." Pois já. E já respondi que é a terceira vez que o faço e que nunca me informaram que não o poderia fazer. Por isso, já deverá ter compreendido que tem é um problema com os seus serviços. Eu não.

Saída. Caixa de multibanco, na rua, não aceita o IBAN. Haverá que regressar com cash na mão. E sem mochila.

Entretanto, de regresso ao sistema informático  de organismo do Estado com bloqueios de comunicação para outro sistema informático de organismo do Estado, nada do que era previsto ser realizado naquela tarde foi possível. O "novo programa" estava com problemas graves.
Ignorava a trepidante "polémica" (chamemos-lhe, generosamente, assim) - foi-me aqui dada a conhecer na caixa de comentários - mas é, sem dúvida, um belíssimo exemplo de Portugal numa casca de noz (XXXVIII)
Vá lá, tenham juízo!... Dispam as camisolinhas identitárias tribais e façam o que vos vier à cabeça

15 March 2016

Mother Teresa: Hell's Angel - real. Christopher Hitchens (1994)

Private Life of a Cat - real. Alexander Hammid & Maya Deren (1947)

"Revisão atrás de revisão, qualquer análise honesta não pode concluir outra coisa a não ser que a homeopatia funciona tão bem como comprimidos de açúcar, porque… bem, são comprimidos de açúcar. Ora, segundo um decreto-lei publicado em Outubro para regular a publicidade em saúde, 'apenas devem ser utilizadas informações aceites pela comunidade técnica ou científica'. O que não é claramente o caso da publicidade às mezinhas homeopáticas. Até quando continuará impune?" (DM)
STREET ART, GRAFFITI & ETC (CLXVI)

Cascais, Portugal, 2016 (Mário Belém)






"You’ll put down strangers, kill them, cut their throats, possess their houses, and lead the majesty of law in lyam to slip him like a hound. Alas, alas! Say now the King, as he is clement if th’offender mourn, should so much come too short of your great trespass as but to banish you: whither would you go? What country, by the nature of your error, should give you harbour? Go you to France or Flanders, to any German province, Spain or Portugal, nay, anywhere that not adheres to England: why, you must needs be strangers" (W. Shakespeare)


13 March 2016

Estados "islâmicos" há muitos
 

(daqui)
Política de género (a perspectiva trolha): "Para uma mulher que seja líder de um partido, a primeira hipótese é agir como mulher, de forma pragmática, sem grandes considerações pelas nomenclaturas e ortodoxia, com atenção ao detalhe e capaz de embelezar os pontos fracos de forma a que se integrem num todo agradável, maior que a soma das partes" [isto é, fazer decoração de interiores]; a "segunda hipótese" é ainda mais idiota

11 March 2016

A JOKE (OR TWO) A DAY KEEPS THE DOCTOR AWAY (XLVII)


Richmond Fontaine - "A Ghost I Became"

Persona

"Comment l’inanimé devient-il animé? Comment l’homme instaure-t-il une relation insolite ou intime avec des objets? Un groupe d’anthropologues s’est penché sur ces questions, à l’heure où notre conception de l’humain vacille et que ses frontières ne cessent d’être repoussées" (Musée du Quay Branly)
"Yes Parents, You Should Be Afraid"

Jefferson Airplane - "White Rabbit" + "Somebody To Love" (daqui)
Helen Muspratt: the unsung camera of a communist radical
 
Busking miner (1930)